quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

O QUE O NOVO TESTAMENTO NOS ENSINA SOBRE O "GUARDAI-VOS" - 3/7


3.  E, ensinando-os, dizia-lhes: Guardai-vos dos escribas, que gostam de andar com vestidos compridos, e das saudações nas praças; E das primeiras cadeiras nas sinagogas, e dos primeiros assentos nas ceias  Que devoram as casas das viúvas, e isso, com pretexto de largas orações. Estes receberão mais grave condenação (Marcos 12:38-40)

No artigo anterior discorremos sobre o fermento dos fariseus, a religiosidade. E mais uma vez Jesus trata do mesmo assunto, mandando seus discípulos se guardarem da religiosidade dos escribas. A mesma admoestação citada no Evangelho de Marcos é repetida por Lucas (Lc 20:45-47). Desta vez, os religiosos-alvo não são os fariseus, mas os escribas, que por sua vez têm características comuns que igualmente demonstram a sua religiosidade: gostam de roupas compridas e da primazia nos eventos.

A primeira característica reprovável de um religioso está em sua tentativa de demonstrar esta religiosidade de forma visível e perceptível aos que o rodeiam, para que tais sinais externos  lhe confiram status de maior santidade em relação aos demais. Uma das mais eficientes destas tentativas é o modo de se vestir. Desde minha conversão à fé cristã em meados dos anos 1980, a questão das vestimentas é debatida no meio. Para muitos, existem roupas mais santas e menos santas, roupas de crente e roupas do mundo. Baseados em Dt 22:5, interpretado fora de seu contexto e de forma incorreta, se conclui que a mulher não pode usar calças compridas, e que as saias, mormente as mais compridas, são sinônimos de maior dantidade e comunhão com Deus.

Não era diferente com os escribas da época de Jesus, pois os mesmos tinham vestimentas que os diferenciavam das demais pessoas. Não é diferente de nossos dias, quando as vestimentas, e não o bom senso e a modéstia, são o primeiro e principal sinal de santidade nos meios evangélicos.

Estes religiosos tembém buscam a primazia, o tratamento diferenciado, a prerrogativa de serem honrados por onde quer que passem... Querem passaporte diplomático, ou melhor, espaços VIP nos eventos. As primeiras cadeiras na Igreja, os primeiros assentos nas ceias e eventos públicos, exatamente para que possam ser vistos do alto do pedestal de suas santidades.

Esta religiosidade também se manifesta pelo uso pomposo e ostensivo dos títulos eclesiásticos. Hoje ninguém mais deseja ser servo, mas quer um título que o diferencie dos demais, e lhe conceda status de maior santidade e vida com Deus. O Senhor Jesus deixou isso muito claro em um texto paralelo relatado no Evangelho de Mateus (neste, apenas não citou a expressão “guardai-vos”, mas visivelmente trata do mesmo assunto), que cito:

Então falou Jesus à multidão, e aos seus discípulos,dizendo: Na cadeira de Moisés estão assentados os escribas e fariseus. Observai, pois, e praticai tudo o que vos disserem; mas não procedais em conformidade com as suas obras, porque dizem, e não praticam: Pois atam fardos pesados e difíceis de su-portar, e os põem aos ombros dos homens; eles, porém, nem com o dedo querem movê-los; E fazem todas as obras a fim de serem vistos pelos homens; pois trazem largas filactérias, e alargam as franjas dos seus vestidos, E amam os primeiros lugares nas ceias e as primeiras cadeiras nas sinagogas, e as saudações nas praças, e o serem chamados pelos homens — Rabi, Rabi. Vós, porém, não queirais ser chamados Rabi, porque um só é o vosso Mestre, a saber, o Cristo, e todos vós sois irmãos. E a ninguém na terra chameis vosso pai, porque um só é o vosso Pai, o qual está nos céus. Nem vos chameis mestres, porque um só é o vosso Mestre, que é o Cristo. Porém, o maior de entre vós será vosso servo. E o que a si mesmo se exaltar será humilhado; e o que a si mesmo se humilhar será exaltado” (Mt 23:1-12).

A exaltação religiosa por intermédio de títulos é terrivelmente descriminatória, pois cria classes diferentes na Igreja, o que certamente não agrada ao Senhor da Igreja. Somos todos iguais perante Ele, e aqueles a quem Ele concedeu liderança no meio do povo, estes devem assumir a postura de servo, e não o título pomposo. Quando Tiago e João reivindicaram primazia sobre os outros discípulos, todos os doze foram admoestados: “Sabeis que os que julgam ser príncipes das gentes, delas se assenhoreiam, e os seus grandes usam de autoridade sobre elas: Mas, entre vós, não será assim; antes, qualquer que entre vós quiser ser grande, será vosso serviçal; E, qualquer que de entre vós quiser ser o primeiro, será servo de todos. Porque o Filho do homem, também, não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate de muitos” (Mc 10:42-45). 

Hoje, entretanto, os modernos escribas preferem ser chamados de “apóstolos”, “paipóstolos”, “bispos” e outros títulos honrosos. Nos meios pentecostais e neopentecostais, há uma valorização de títulos tão séria que até as “dirigentes de círculo de oração” já são tratadas com status de reconhecimento e honra. Algumas Igrejas adotam o escalão de 1ª dirigente, 2ª dirigente, 3ª dirigente, e aparenta a qualquer pessoa de bom senso que a primeira é maior (superiora) à segunda, e assim sucessivamente! A simples posição de “porteiro” já se transforma em título! Isto sem falar em diáconos, presbíteros, evangelistas... Em nosso meio, chamar alguém por título inferior (por exemplo, chamar um presbítero de diácono), mesmo que por engano, é quase uma afronta...

E para complementar, há a terrível questão de “devorar as casas das viúvas”, e sobre tal ato existe a condenação mais severa para quem assim o faz. A justificativa para tal usura é, mais uma vez, a espiritualidade, a religiosidade. Como os fins justificam os meios, as casas das viúvas são devoradas exatamente porque os devoradores são muito religiosos, fazem extensas orações.

Qualquer semelhança com os dias atuais NÃO TERÁ SIDO mera coincidência. Os devoradores modernos continuam fazendo o seu estrago, usando as mesmas justificativas, e têm suas fortunas até divulgadas pelas revistas especializadas! As fortunas chegam ao patamar de $1 milhão, com tendência a crescimento exponencial. E por isto mesmo, sofrerão mais severa condenação, pois este enriquecimento é fruto da devora da casa dos pequeninos da Igreja.

Precisamos, portanto, nos guardar desta religiosidade que ostenta, que nos faz participantes de uma classe melhor, mais crente, mais santificada que os demais, que sonha com títulos sob a justificativa de que “a quem honra, honra”, que faz enriquecer às custas das viúvas, sob a desculpa que “o obreiro é digno de seu salário”. Fomos chamados para sermos servos inúteis, e nunca servos diferenciados. Os que estão em posição de liderança na Igreja, jamais se sintam como o mordomo que, ante à demora do Senhor, passou a espancar os conservos, comer e beber (Mt 24:45-51)... Seremos chamados à responsabilidade. Bem aventurados os que forem achados fiéis, guardando-se da religiosidade dos escribas!

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