"Pelo que, deixai a mentira, e falai a verdade..." (Ef 4:25)
Há algum tempo atrás um jovem crente, recém casado e cheio de
sonhos na vida veio conversar comigo, muito alegre e eufórico. O motivo de
tanta alegria era porque Deus abrira uma grande porta para ele, inesperada e
providencial, e ele resolveria através desta porta seus problemas financeiros.
Perguntei-lhe sobre esta porta, e ele me falou:
― Irmão,
recebi um e-mail no qual uma fundação ligada a partidos políticos
norte-americanos estava doando a quantia de cem mil dólares, tipo restos de
doações de campanha que precisariam ser gastos até o final do ano. Embora o
e-mail estivesse em inglês, consegui traduzir e já estou preparando a resposta
para enviar, com número de conta corrente para depósito imediato do valor.
Respirei fundo
e comecei a dar a difícil notícia de que ele, na verdade, estava sendo
enganado, e provavelmente ao invés de receber um deposito de cem mil dólares,
teria que depositar algum valor para que esta quantia lhe fosse liberada... O
que nunca seria... Contei-lhe tudo sobre e-mails fraudulentos... À medida que
eu lhe falava estas verdades, vi seu sorriso se desfazer, a tristeza e a
decepção tomarem-lhe as feições. Na verdade, primeiro que tudo eu vi em seu
rosto a vontade de questionar o que eu lhe dizia, de mostrar a mim que não,
quem estava errado era eu... E ele até tentou... As pessoas que enviaram o
e-mail eram pessoas sérias, honestas... Muitos já haviam ganhado o valor... Acreditem,
precisou de muito tempo e muitos argumentos para ele entender que na verdade
estava sendo iludido. No fundo, estes cem mil dólares dariam a ele o montante
para construir uma carreira, uma vida... E um estraga-prazeres da minha
categoria tinha que aparecer para por água na fogueira!
No fim,
convencido ma non troppo, o irmão saiu dizendo que iria se comunicar ainda por e-mail com seus remetentes, para
esclarecer melhor... Por mais que eu lhe dissesse quem não o fizesse, pois
estava lidando com bandidos profissionais, neste aspecto ele não se convenceu.
Ficou ainda em seu coração uma pontinha de desejo e esperança de que EU
estivesse errado...
Este fato me
deixa uma lição interessante: o nosso apego à mentira. Somos propensos a isto desde nossa mãe Eva e nosso pai Adão, os primeiros a acreditarem em uma mentira
que lhes prometia muito mais que cem mil dólares, mas que só lhes trouxe
separação e vergonha. Este apego à mentira chegou até nós através do pecado, e
nos faz acreditar em tudo aquilo que nos dizem, pois as promessas são
atraentes. Para Adão e Eva, era a possibilidade de serem iguais a Deus; para
nós, é a prosperidade, é a cura, é a solução de todos os nossos problemas, etc.
Acreditamos porque somos crédulos. Acreditamos porque queremos nos beneficiar
da Lei do Gerson: queremos levar
vantagem.
Em primeiro
lugar, somos cobiçosos. A Bíblia ainda acrescenta mais detalhes sobre esta nossa
cobiça: é provocada por torpe ganância (1 Tm 3:3; 3:8; Tt 1:7; 1:11). Sim, pois
quem cai no conto do vigário só caiu porque acreditou que levaria vantagem em
algum negócio, prejudicando outros. No final, os prejudicados são eles.
Em segundo
lugar, quando alguém nos apresenta a verdade, fazemos de tudo para continuarmos
crendo na mentira. Esta mentira nos é tão agradável que fazemos de tudo para permanecermos apegados a ela, para convencer o mundo inteiro que ela é a verdade! Apegamos-nos a ela com um amor tão profundo que preferimos ficar com
ela ao invés de abandoná-la para ficarmos com a verdade.
Em terceiro
lugar, já aplicando às coisas espirituais, temos o terrível costume de, entre
aceitar o que afirma a Bíblia e defender a sã doutrina das Escrituras, e
defender pastores e líderes que ensinam coisas contrárias a ela, sempre
preferimos defender as pessoas ao invés da Palavra de Deus. Sem nem mesmo nos
darmos o trabalho de analisar, perscrutar, inquirir, ver nas Escrituras se as
coisas são mesmo assim, como bem faziam os bereianos (At 17:11). Defendemos o
que nos é mais conveniente...
Tudo isso me
remete a uma conversa que há muitos anos tive com uma Testemunha de Jeová.
Pedi-lhe a Bíblia emprestada e no texto da sua própria refutei algumas das
mentiras que haviam lhe ensinado. Mostrei-lhe a presença de uma grande multidão
no céu (e não somente os 144 mil), mostrei-lhe a Trindade, e algumas outras
coisas que ele tinha como verdade absoluta. Mostrei NA BÍBLIA. Atordoado, ele
me disse “― Estou vendo na minha Bíblia, mas não estou acreditando...”
Hoje, isto não
é mais exclusividade das Testemunhas de Jeová. Entre os crentes, os
evangélicos, os góspeis de nossos dias, já observamos o mesmo apego à mentira.
Perdi a conta de pessoas com que já confrontei com as Escrituras para mostrar o
erro de falsos movimentos neo-pseudo-pentecostais, mas elas preferem permanecer
no erro, pois lhes é mais conveniente... Cansei de mostrar na Bíblia que muitos
pastores e líderes da atualidade servem mais a si mesmos do que a Deus, mas tapam olhos e ouvidos... Já tentei mostrar a muitos que certos hinos cantados em nossas
igrejas são antibíblicos, não cristocêntricos e contêm letra que vai de
encontro à sã doutrina, mas não querem me ouvir, pois os hinos que escutam têm
sabor de mel.. mas estes mesmos hinos doces não tornam seus ventres amargos (Ap 10:10), como deveria ser toda e
qualquer pregação, mensagem e doutrina pregada na Igreja do Senhor Jesus
Cristo...
Cansei de
mostrar textos inteiros da Bíblia, que são simplesmente ignorados, muito provavelmente nem são lidos, ou são refutados com frases do quilate de “não
toque no ungido”, “não se meta nas coisas que você não entende”, “não julgue”...
Claro! Os ungidos são maiores que a Bíblia!
Este apego à
mentira pode até, quem sabe, ser encontrado em mim e em você. Nós nos apegamos
com tanta força às nossas convicções de fé que nem aceitamos examinar as
opiniões dos outros, confrontando-as com as Escrituras e comparando-as com as
nossas. Veja bem: não falo em crer nas opiniões dos outros, mas pelo menos
analisá-las à luz da Bíblia, e ter disposição para abraçar aquilo que as
Escrituras referendam. Só isso! Assim como os judeus de Bereia, que também
tinham suas convicções judaicas, mas foram nobres e sábios o bastante para
analisar as novas propostas apresentadas por Paulo e Silas.
Falo
principalmente sobre a disponibilidade de aprender. Ninguém sabe tanto que não
precise aprender um pouco mais, e ninguém é tão ignorante que não tenha algo
para ensinar. Meu pastor conta uma história que o dr. Russell Shedd deu uma
palestra para as turmas do Seminário que ele cursava. Em dado momento, um
seminarista do 1º ano o interrompeu, discordando de uma colocação e
apresentando uma nova visão acerca do texto debatido. O dr. Shedd, do alto de sua autoridade adquirida em décadas de estudo, parou, pensou por alguns segundos, tirou um bloquinho e caneta do bolso, fez algumas anotações e
disse: “― Eu nunca tinha pensado deste jeito! Vou analisar, irmão...”.
Falo sobre a
disposição de largar a mentira!
É, muito bom!
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