quarta-feira, 25 de setembro de 2013

LENÇOS E AVENTAIS

Levantou-se um questionamento provocado por um dos meus artigos, mais precisamente UNÇÃO COM ÓLEO, que trata sobre a prática de ungir não só enfermos, mas qualquer pessoa. Respeitosamente, fui perguntado (já que o texto pode dar a entender que não creio na unção com óleo) acerca de objetos "ungidos" citados pela Bíblia. O texto em questão é:

"E Deus, pelas mãos de Paulo, fazia maravilhas extraordinárias, de sorte que até os lenços e aventais se levavam, do seu corpo, aos enfermos, e as enfermidades fugiam deles, e os espíritos malignos saíam" (At 19:11-12).

Um dos questionamentos levantados foi se estes lenços e aventais não seriam "ungidos"... E aí??

Primeiramente, quero deixar claro (mais uma vez!) que sou Pentecostal, não cessacionista, 100% adepto do SOLA SCRIPTURA. Creio na cura divina. Creio no dom espiritual de CURAS (1 Co 12:9b), mas 
creio que, a despeito de possuir ou não este dom espiritual, QUALQUER CRENTE pode orar pelos enfermos, e que Deus, por Sua misericórdia e de conformidade com a Sua vontade, pode curar qualquer doença, de uma simples dor na unha até um câncer em estado terminal (e isto até cessacionistas também creem)! Creio na unção com óleo, restrita AOS ENFERMOS e ministrada unicamente pelos PRESBÍTEROS, o que pode ser visto no artigo citado acima. Ou seja, creio naquilo que a Bíblia prescreve. Somente. E mais nada! Não creio nas invenções humanas de sair ungindo tudo, pessoas, animais e objetos, indiscriminadamente, fora do que a Escritura prescreve e orienta.

Segundo, quero parabenizar ao irmão (que não citarei seu nome, por questões éticas) pela educação com que se dirigiu a mim em seu justo questionamento, e pelo seu interesse bereiano de contestar, julgar, inquirir e prescrutar qualquer ensino à luz das Escrituras. Isto é bíblico, e louvável (At 17:11). Que o amado continue assim, e que outros se inspirem em sua conduta, e façam o mesmo!

Isto posto, voltemos ao caso!

O texto bíblico em questão retrata o poder do Espírito Santo na vida dos Apóstolos. Tal poder emanava de tal forma que lenços e aventais usados por Paulo ERAM LEVADOS AOS ENFERMOS, e a simples presença do tecido, ou o colocar do tecido sobre os enfermos e endemoninhados (suposição, visto que o texto não afirma tal at
itude), trazia-lhes a cura e a libertação. Isto é fato. Está narrado nas Escrituras, e não pode ser absolutamente questionado.

Entretanto, alguns detalhes devem ser apresentados, para que não haja dúvida sobre o ocorrido, e se o mesmo era prática comum na Igreja, se era tratado como norma de conduta na Igreja Primitiva.


Em primeiro lugar, o livro de Atos é um livro histórico, e não uma epístola doutrinária, de sorte que não vemos nestas práticas razão para doutrina. Muitos tomam certas passagens do livro de Atos e estabelecem doutrina, como por exemplo "o conselho de Gamaliel", relatado em Atos 5:34ss.
"Mas, levantando-se no conselho um certo fariseu, chamado Gamaliel, doutor da lei, venerado por todo o povo, mandou que, por um pouco, levassem para fora os apóstolos, e disse-lhes: Varões israelitas, acautelai-vos a respeito do que haveis de fazer a estes homens, porque antes destes dias, levantou-se Teudas, dizendo ser alguém: a este se ajuntou o número de uns quatrocentos homens; o qual foi morto, e todos os que lhe deram ouvidos foram dispersos e reduzidos a nada. Depois deste, levantou-se Judas, o galileu, nos dias do alistamento, e levou muito povo após si; mas, também, este pereceu, e todos os que lhe deram ouvidos foram dispersos. E agora, digo-vos: DAI DE MÃO A ESTES HOMENS, E DEIXAI-OS, porque, SE ESTE CONSELHO E ESTA OBRA É DE HOMENS, SE DESFARÁ, MAS SE É DE DEUS, NÃO PODEREIS DESFAZÊ-LA, PARA QUE NÃO ACONTEÇA SERDES TAMBÉM ACHADOS COMBATENDO CONTRA DEUS. E concordaram com ele" (At 5:34-40 - grifos meus).

De acordo com Gamaliel, douto fariseu, qualquer grupo que não pudesse ser detido era sinal da aprovação de Deus. Ora, Gamaliel não era nem crente! Assim, como levar uma palavra dita por um incrédulo como fonte de de doutrina? Como entender que alguém só poderia doutrinar se falasse pelo Espírito Santo, enquanto Gamaliel, não cristão, não tinha o Espírito? Trata-se, portanto, de uma NARRATIVA. Assim como a Bíblia relata até as palavras de satanás, ou de homens maus como Pilatos, Herodes e outros mais, também relatou as palavras de Gamaliel, JAMAIS dando a elas qualquer status de palavras divinas.

Ademais, o que dizer de falsas seitas que crescem a olhos vistos, até mais que o Evangelho verdadeiro, e que nunca puderam ser detidos, à luz do conselho de Gamaliel, como Espíritas. Mórmons, Testemunhas de Jeová, Budistas. Muçulmanos etc?
 Todas estas são campeãs de crescimento, nunca foram detidas, mas nem por isso têm a aprovação divina... Ou tem???

Outro exemplo de "doutrina" extraída de Atos é o "batismo em nome de Jesus". Algumas igrejas, mormente as Unicistas (que não creem na Trindade) não batizam de conformidade com a fórmula disposta em Mateus 28:19 por interpretarem erroneamente os textos de Atos que supostamente ensinam uma fórmula batismal "em nome de Jesus". Entretanto, os escritos dos pais da Igreja demonstram que a Igreja Primitiva NUNCA usou fórmula batismal diferente da que foi prescrita pelo próprio Senhor no evangelho de Mateus.

Repetimos: o livro de Atos NÃO É DOUTRINÁRIO, nas narrativo. Apenas conta a história da Igreja no 1º Século, sem se preocupar em prescrever doutrina.


Em segundo lugar, QUAL ERA O CONTEXTO SÓCIO-RELIGIOSO DA COMUNIDADE EM QUESTÃO? Analisemos o próprio texto bíblico, sem esquecermos de ANALISAR O CONTEXTO!!

Os fatos em questão se passaram em Éfeso, região extremamente mergulhada em misticismo e idolatria, adoradores da deusa Diana (ou Artemis). A continuação da leitura do capítulo deixa muito bem transparecer esta condição espiritual:

"E muitos dos que tinham crido vinham, confessando e publicando os seus feitos. Também muitos dos que seguiam artes mágicas trouxeram os seus livros, e os queimaram na presença de todos, e, feita a conta do seu preço, acharam que montava a cinquenta mil peças de prata. Assim a palavra do Senhor crescia poderosamente e prevalecia" (Atos 19:18-20). 
O que vemos no texto imediatamente posterior da narrativa acerca do uso dos lenços e aventais é que se tratava de uma comunidade imersa em feitiçarias e práticas ocultistas. Ou seja, a prática de levar tais lenços e aventais muito provavelmente adveio da sua cultura ocultista e animista. Não nos parece, absolutamente, uma boa ideia mesclar a doutrina cristã da cura com práticas pagãs!

Em terceiro lugar, observamos pelo texto em questão (At 19:11-12) que os enfermos não iam à Igreja BUSCAR tais lenços e aventais; era algo que as pessoas levavam até eles, a pedido do enfermo ou por sua própria iniciativa, já que almejavam a cura e libertação do amigo ou parente. O texto parece-me muito mais nos mostrar [1] pessoas doentes, impossibilitadas de ir à Igreja buscar cura ou [2] pessoas não cristãs, que deliberadamente não iam à Igreja, e por estes motivos seus parentes cristãos levavam tais peças de vestuário às suas casas.

Em quarto lugar, em momento algum, em lugar algum, a Escritura afirma que estes lenços e aventais passavam por qualquer "unção" com óleo, ou que os apóstolos oravam sobre eles, impunham-lhes as mãos ou promoviam qualquer ritual com o intuito de transferir-lhes poderes de cura. 

Em quinto lugar, tais lenços e aventais eram levados MAS NÃO ERAM VENDIDOS pelos apóstolos ou por qualquer outro representante da Igreja! Ou seja, não havia comércio dos lenços ou dos aventais ungidos, como acontece clara e abertamente nos dias de hoje. Os Apóstolos levavam a sério o princípio do "de graça recebestes, de graça dai" (Mt 10:8). Tomemos como exemplo o caso de Simão, o mágico, que tentou comprar o poder do Espírito Santo, e foi severamente repreendido por Pedro (At 8:18-24).

Não podemos jamais dizer que Deus não age através de um lenço ou avental. Mas também não podemos dizer que tais curas, ocorridas com a "ajuda" de objetos, seja algo divino. Conhecemos inúmeros casos de curas através deste expediente, mas tais curas NÃO SÃO privilégio das "igrejas evangélicas". Já vimos católicos, e até candomblecistas, serem curados através de objetos, o que nos mostra o poder curativo da sugestão. A cura não significa a aprovação divina!

Observemos alguns pontos importantes sobre o uso de aventais e lenços...

[1] Os lenços e aventais de Paulo não eram "ungidos". Eram peças de seu uso pessoal, que sem qualquer unção com óleo eram levados aos enfermos. Paulo não os usava com a intenção de enviá-los aos doentes (pelo menos, o texto bíblico nada afirma sobre isso), como muitos "curandeiros" fazem nos dias de hoje.

[2] Os lenços e aventais não eram vendidos! Não há nas Escrituras NENHUM relato de venda de qualquer objeto que emanasse poder! Se eu estiver errado, que me apresentem textos bíblicos relatando algum objeto sendo vendido, tendo da boca dos apóstolos qualquer indicação de que detinham poder.

[3] Não se fala na Escritura que os apóstolos ungiam, ou consagravam, ou transferiam poder para objetos ou peças de vestuário, para serem posteriormente usados em cura ou exorcismo. O texto apenas relata o que as pessoas comuns faziam, e não prescreve tal ato como prática recomendada.

[4] Tal ato não se transformou em DOUTRINA para a Igreja. Paulo ou qualquer apóstolo não INCENTIVAVA tal ato. Simplesmente as pessoas faziam, mas não havia ensino apostólico para que isso fosse feito, e o fato de "dar certo" não fez com que tal prática fosse recomendada em local nenhum das Escrituras. É pecado fazer? Não. É pecado considerar como doutrina e prática comum? Acredito que sim.

É importante ainda lembrar que, na ocasião em que tal costume era praticado, a Igreja estava "engatinhando", em seus primeiros anos de vida... Não havia ainda a Escritura, que se tornou no futuro a regra de fé e prática para a Igreja. A regra, antes do fechamento do cânon, era o ensino unificado dos Apóstolos, a Doutrina dos Apóstolos (At 2:42), e em momento algum vemos os apóstolos ensinando ou fomentando a prática de usar lenços e aventais como "auxiliares" na cura. É de se esperar que, num momento aonde a Escritura não existia para ensinar e prescrever doutrina, pessoas supersticiosas associassem suas superstições à fé cristã, o que mais adiante, nas Escrituras, é corrigido, com o ensino do certo a se fazer. Sobre o assunto, pessoas enfermas, mais tarde a Escritura prescreve: "Está alguém entre vós doente? chame os presbíteros da igreja, e orem sobre ele, ungindo-o com azeite, em nome do Senhor; E a oração da fé salvará o doente, e o Senhor o levantará; e, se houver cometido pecados, ser-lhe-ão perdoados" (Tg 5:14-15), deixando -- agora sim! -- DOUTRINA para toda a Igreja!

No Antigo Testamento, vemos uma história aonde um "objeto catalisador de poder" não funcionou, embora tenha sido enviado pelo próprio profeta Eliseu (2 Rs 4).  O texto relata:

"E ele [Eliseu] disse a Geazi: Cinge os teus lombos, e toma o meu bordão na tua mão, e vai; se encontrares alguém, não o saúdes, e se alguém te saudar, não lhe respondas: e põe o meu bordão sobre o rosto do menino ... E Geazi passou adiante deles, e pôs o bordão sobre o rosto do menino; porém não havia nele voz nem sentido: e voltou a encontrar-se com ele, e lhe trouxe aviso, dizendo: Não despertou o menino" (2 Rs 4:29-31).
Devia-nos servir de exemplo para não confiarmos em "objetos de poder"...

A orientação de Tiago, observada no âmbito da REVELAÇÃO PROGRESSIVA, diz-nos o seguinte: "
Está alguém entre vós doente? [Ao invés de levar um lenço ou um avental até ele] chame os presbíteros da igreja...". Uma visita pastoral traz, além da cura, uma palavra de salvação, ao doente e aos seus familiares, que muitas vezes não vão à Igreja... Assim, transforma-se uma visita de cura em uma visita de pregação da Palavra e de salvação...

Acima de tudo, trata-se de MATURIDADE entender o que é um texto narrativo e um texto prescritivo na Escritura, e perceber quando um texto é literal ou simbólico. Ora, observemos:
  • Jesus disse claramente: "Portanto, se o teu olho direito te escandalizar, arranca-o, e atira-o para longe de ti, pois te é melhor que se perca um dos teus membros do que seja todo o teu corpo lançado no inferno. E, se a tua mão direita te escandalizar, corta-a, e atira-a para longe de ti, porque te é melhor que um dos teus membros se perca, do que seja o teu corpo lançado no inferno" (Mt 5:29-30). Entretanto, não vejo mutilados nas Igrejas, e nem vejo ninguém incentivando estas automutilações, embora esteja escrito, tenham sido palavras do próprio Jesus!
  • Paulo mandou Timóteo beber um pouco de vinho para obter a cura para os seus problemas gástricos (1 Tm 5:23), e nem por isso tomou-se tal texto como doutrinário, e nem vemos nenhum "pastor" em nossos dias prescrevendo o uso de vinho para a cura, embora a Escritura mencione o conselho de Paulo!
  • Jesus cuspiu no chão, fez lodo, e com este lodo curou um cego (Jo 9:6), e nem por isso fazemos isso para curar cegos nas Igrejas!
  • Naamã foi ensinado, para ser curado de lepra, a mergulhar sete vezes no Jordão (2 Rs 5), e nem por isso se estabeleceu que para se obter cura para problemas dermatológicos são necessários sete mergulhos em um rio, mar, piscina ou açude! 

Assim, observamos que o bom senso continua sendo uma máxima oculta sempre presente no texto da Bíblia!

Não discordo do poder de Deus, e nem da multiforme operação do Senhor. Por Sua vontade, o milagre pode ocorrer por diversos meios, inclusive por meio de lenços, aventais e peças de roupa usados por homens e mulheres de Deus. Entretanto, essa NÃO É a prática prescrita nas Escrituras. E O CRENTE MADURO SEMPRE IRÁ PREFERIR A FORMA BÍBLICA, e desprezar a forma comum e sincrética! Funciona? Em muitos casos, sim. Mas não seguimos O QUE FUNCIONA, mas o que DEUS deixou escrito!

Finalmente, DISCORDO VEEMENTEMENTE de qualquer ofício religioso que seja praticado por dinheiro. Discordo do uso da unção com óleo fora dos propósitos da Escritura. Discordo que obreiros do Senhor estimulem o "animismo gospel", enxugando o suor com toalhinhas de forma proposital, para vendê-las como objetos de poder. Sigamos a Escritura e o bom senso! Voltemos ao Evangelho!!

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