(ou, JESUS, SEU JUMENTINHO E OS JUMENTOS DA ATUALIDADE)
Certa vez, presenciei um diálogo interessante travado entre dois homens, sentados na mesa ao lado da minha em um restaurante de minha cidade. Conversavam sobre música, e em dado momento entraram no assunto da música clássica. Um deles, aparentando maior erudição e com ares de intelectualidade, em dado momento disse que Mozart e Beethoven chegaram a compor juntos, e que inclusive a ideia de Beethoven compor a sua 5ª sinfonia (aquela famosa, do TCHAN TCHAN TCHAN TCHAN!!) foi dada por Mozart. Ri discretamente, pois sabia com quase absoluta certeza que os dois grandes compositores não tinham sido contemporâneos... Em casa, com o auxílio da internet, pude comprovar mais detalhes desta desinformação... Mozart viveu entre 1756 e 1781, ao passo que Beethoven viveu entre 1770 e 1827. Logo, se os dois chegaram a travar algum diálogo, foi no máximo quando Beethoven tinha apenas 11 anos de idade... Entretanto, ele só se mudou para Viena, cidade aonde vivia Mozart, em 1791, após a morte deste, que se deu dez anos antes...
O que mais me chamou a atenção foi a firmeza da informação dada pelo homem que se dizia conhecedor da história da música clássica. Deu até certa impostura na voz para ganhar mais credibilidade! E é muito provável que o segundo homem da conversa tenha saído convencido da informação prestada pelo instruído amigo, e que passe esta informação adiante...
No âmbito da teologia e da doutrina cristãs, a coisa não é muito diferente... Temos muitas pessoas em nosso meio que pegam informações de terceiros, de fontes não confiáveis, e passam esta informação adiante, como se fora a mais sublime das verdades.
O assunto de que me refiro foi uma entrevista dada por alguns integrantes da família Valadão, que ganhou espaço nos blogs e nas redes sociais com debates acalorados, defesas apaixonadas e coisas assim. Segundo eles, Jesus foi um homem rico, vestia-se de roupas finas e caras, possuía uma grande casa em Jerusalém e andava de jumento, um animal que na época correspondia a um BMW, um carro de luxo dos nossos dias. José e Maria, pais do Senhor, também eram ricos, pois José era um carpinteiro bem sucedido, e a carpintaria equivaleria, nos dias de hoje, à engenharia....
Estas informações, lamentavelmente, podem ser perfeitamente comparadas ao diálogo sobre música clássica que presenciei... Sem fundamento ─ ou pelo menos sem qualquer fundamento bíblico.
A origem desta ideia é da chamada “Teologia da Prosperidade”, mais precisamente de um pregador americano chamado Kenneth Hagin, um dos seus expoentes. Ele disse em seu livro A AUTORIDADE DO CRENTE (p. 32): “Muitos crentes confundem humildade com pobreza. Um pregador certa vez me disse que fulano possuía humildade, porque andava num carro muito velho. Repliquei: ‘Isso não é ser humilde ─ isto é ser ignorante’. A ideia que o pregador tinha de humildade era a de dirigir um carro velho. Um outro observou: ‘Sabe, Jesus e os discípulos nunca andaram num Cadillac’. Não havia Cadillac naquela época. Mas Jesus andou num jumento. Era o ‘Cadillac’ da época ─ o melhor meio de transporte existente”. Já a afirmativa de que Jesus tinha uma casa em Jerusalém pertence a John Avanzini, outro expoente da citada “Teologia”, que afirma que Jesus e os apóstolos eram ricos. “Não consigo identificar onde essas tradições bobas entraram, porém a mais estúpida de todas é a de que Jesus e seus discípulos eram pobres. Nada existe na Bíblia que dê base a esta afirmação [...] Jesus tinha uma grande e bela casa em Jerusalém” (AVANZINI, Citado em H. HANEGRAAFF, Cristianismo em Crise, Rio de Janeiro, CPAD, 1996, p. 202). Do Cadillac para o BMW, foi só uma adaptaçãozinha lacustre...
Gostaria de deixar alguns comentários acerca do assunto em pauta...
Em primeiro lugar, informações precisam ser devidamente checadas antes de serem passadas adiante, senão poderemos ser chamados de divulgadores de inverdades, mesmo que as façamos com a melhor das intenções. Conheço pessoas que afirmam que existem 365 vezes na Bíblia a expressão “não temas”, mas qualquer pessoa que tenha uma Bíblia eletrônica em seu computador pode fazer uma pesquisa e constatar que nem 100 vezes tal expressão é repetida no texto sagrado! Por melhor que seja a intenção de quem divulga tal dado, trata-se de uma inverdade. A mentira, mesmo quando apresentada para o bem, não deixa de ser mentira, e o cristão deve ter compromisso com a verdade!
Não podemos acreditar em tudo o que ouvimos sem nos darmos ao trabalho de checar a informação, principalmente no âmbito da doutrina e da teologia. Era isto que os crentes de Beréia faziam, e por este zelo em confirmar as informações nas Escrituras foram elogiados: “Ora estes [judeus de Beréia] foram mais nobres do que os que estavam em Tessalônica, porque de bom grado receberam a palavra, EXAMINANDO CADA DIA, NAS ESCRITURAS, SE ESTAS COISAS ERAM ASSIM (At 17:11 – colchetes e grifos meus). Portanto, antes de disseminar uma ideia de Kenneth Hagin, John Avanzini, do seu pastor ou de quem quer que seja, até mesmo uma ideia MINHA, a obrigação de qualquer cristão é de verificar na Bíblia se as coisas são mesmo assim. Portanto, vamos verificar juntos...
Jesus não era rico ─ ou pelo menos não há nenhuma referência bíblica que indique isto. Ele mesmo chamou a atenção para o perigo das riquezas, e seria um grande hipócrita se, sendo rico, falasse contra a riqueza! Paulo afirma que Ele, o Senhor, “...sendo rico, por amor de vós se fez pobre, para que pela sua pobreza enriquecêsseis” (2 Co 8:9). Se Ele fosse tão rico como apregoam os expoentes da prosperidade, como precisava de mulheres abastadas que financiassem Seu ministério (Lc 8:1-3)? Por que então Ele não sacou de sua própria bolsa as didracmas de seu imposto, mas mandou Pedro pescar um peixe e recolher uma moeda de suas entranhas para fazer tal pagamento (Mt 17:24-27)?
Os pais de Jesus não eram ricos. A maior prova disto é que, na apresentação de Jesus por ocasião de sua circuncisão ao oitavo dia de vida, eles trouxeram a oferta do pobre prevista na Lei de Moisés. Vejamos: “E, quando os oito dias foram cumpridos, para circuncidar o menino, foi-lhe dado o nome de Jesus, que pelo anjo lhe fora posto, antes de ser concebido. E, cumprindo-se os dias da purificação, segundo a lei de Moisés, o levaram a Jerusalém, para o apresentarem ao Senhor (Segundo o que está escrito na lei do Senhor: Todo o macho primogênito será consagrado ao Senhor); E para darem a oferta segundo o disposto na lei do Senhor: UM PAR DE ROLAS OU DOIS POMBINHOS.” (Lc 2:21-24 – grifos meus). Comparemos com o texto da Lei: “E, quando forem cumpridos os dias da sua purificação, por filho ou por filha, trará um cordeiro de um ano por holocausto, e um pombinho ou uma rola para expiação do pecado, diante da porta da tenda da congregação, ao sacerdote, o qual o oferecerá perante o Senhor, e por ela fará propiciação; e será limpa do fluxo do seu sangue; esta é a lei da que der à luz varão ou fêmea. MAS, SE SUAS POSSES NÃO LHE PERMITIREM TRAZER UM CORDEIRO [OU SEJA, SE FOR POBRE], ENTÃO TOMARÁ DUAS ROLAS, OU DOIS POMBINHOS, um para o holocausto e outro para a expiação do pecado; assim o sacerdote, por ela, fará propiciação, e será limpa” (Lv 12:6-8 – grifos e colchetes meus). Por que José e Maria, sendo ricos (como afirmam os “expoentes da TP) deram a oferta dos pobres?
Em momento algum a Bíblia menciona que Jesus era dono de algum jumento, embora a Escritura também não diga que não era. Mas dá uma dica: quando o Mestre precisou de um jumento para entrar em Jerusalém, tomou-o emprestado (Mt 21:1-5). O próprio profeta que profetizou a vinda do Messias montado em um jumento dá testemunho de sua pobreza, ao afirmar: “Alegra-te muito, ó filha de Sião; exulta, ó filha de Jerusalém: eis que o teu rei virá a ti, justo e Salvador, POBRE, e montado sobre um jumento, sobre um asninho, filho de jumenta” (Zc 9:9 – grifo meu).
Qualquer pessoa de bom senso e equilíbrio saberá que, mesmo considerando os tempos de Jesus, não dá para comparar um jumento como uma BMW dos dias atuais. Os ricos não andavam de jumento, e sim de carruagens (At 8:26-28). No máximo, forçando muito a barra, poderíamos comparar o jumento a um fusquinha 1966... E repetimos: o jumento era emprestado!
Em relação à grande e luxuosa casa que pertencia a Jesus em Jerusalém, não sabemos de onde se tirou esta informação, já que não está na Bíblia... À vista desta afirmativa, não entendemos duas coisas: primeiro, porque Jesus solicitou emprestado um cenáculo em Jerusalém para realizar a sua última ceia com os seus discípulos (Mateus 26.17-19), já que Ele possuía esta bela e grande casa e poderia muito bem fazer esta última reunião no conforto do Seu lar? Segundo, com que base bíblica (ou mesmo extrabíblica) Avanzini e os demais “profetas da prosperidade” afirmam isto com tanta convicção? Alguma “revelação” do alto??
Não estou aqui para denegrir qualquer pessoa, principalmente os membros da família citada, nem a Igreja onde são membros. Estou aqui para combater a disseminação do erro na Igreja do Senhor Jesus, principalmente o joio nocivo da “teologia da prosperidade”. Estou aqui para aconselhar a todos, envolvidos ou não nesta infeliz entrevista, que não disseminem doutrinas estranhas na Igreja do Senhor, não acrescentem às Escrituras o que lá não está, não se ponha debaixo de maldição ao alterar a Bíblia e assim ensiná-la aos pequeninos do Senhor (Mt 5:19; Ap 22:18-19). Antes de abrir sua boca para difundir qualquer doutrina, revelação ou modismo a Igreja, veja se as Escrituras concordam com o que você vai ensinar!
Não estou aqui para afirmar que Jesus era miserável, mendigo. A Bíblia não afirma isto, da mesma forma que não afirma que Ele e os seus apóstolos eram ricos.
E disse-lhe Jesus: As raposas têm covis, e as aves do céu, ninhos, mas o Filho do homem não tem onde reclinar a cabeça. Lucas 9:58.
ResponderExcluirComo você mesmo disse, a Bíblia não diz que ele era miserável, mas também não diz que ele era rico e proprietário de uma bela casa, a julgar por esse texto que acabo de postar. Concordo plenamente com o que disse, Zilton, e completo dizendo que todas essas inverdades devem ser checadas antes de propagadas. A Bíblia é a luz para nos guiar e nos abrir os olhos para não sermos levados por ventos de qualquer doutrina. O povo de Deus deve conhecer a Bíblia a fim de não perecer.
O meu povo foi destruído, porque lhe faltou o conhecimento; porque tu rejeitaste o conhecimento, também eu te rejeitarei, para que não sejas sacerdote diante de mim; e, visto que te esqueceste da lei do teu Deus, também eu me esquecerei de teus filhos. Oséias 4:6