Recentemente, meu pastor abriu o culto dominical com a
leitura do texto de Marcos 12:38, que relata que Jesus “ensinando [aos Seus discípulos],
dizia-lhes: guardai-vos dos escribas, que gostam de andar com vestidos
compridos, e das saudações nas praças...”. Ele apenas leu o texto como
leitura devocional para a abertura do culto, não discorreu acerca dele, mas
estas palavras ficaram por alguns dias martelando em minha mente. Chamou-me
muito a atenção o uso do imperativo pronominal GUARDAI-VOS, e passei a semana
meditando no texto e em seu significado.
Em minhas meditações, fui então pesquisar quantas vezes a
expressão “GUARDAI-VOS” consta na Bíblia, mais precisamente no Novo Testamento
da versão Revista e Corrigida (a que costumo usar), e cheguei ao número de 7
ocorrências (na verdade oito, mas duas delas são idênticas). Tomei por meu “dever
de casa” meditar nestes textos e procurar entender cada uma das admoestações, e
por que Deus nos orienta, ou melhor, ordena que nos guardemos de tais coisas.
O sentido da expressão “GUARDAI-VOS” enquanto verbo
pronominal (verbo acompanhado de pronome oblíquo), segundo o sr. Aurélio
Buarque de Holanda Ferreira, o “pai dos burros”, é [1] Acautelar-se,
prevenir-se, precaver-se, precatar-se. [2] Abster-se, conter-se, refrear-se. [3]
Reservar-se, esperar. [4] Defender-se, preservar-se, livrar-se. [5] Abrigar-se,
desviar-se. Portanto, quando a Escritura usa tal expressão nos ordena
(uma vez que o verbo está no imperativo) todas estas coisas, em relação ao tema
tratado... É uma advertência expressa para que estejamos vigilantes e prontos a
confrontá-las com o que está escrito, e com as instruções que nos são dadas
contra tais coisas, de como evitá-las, como agirmos face a elas.
Vamos, portanto, discorrer sobre cada coisa que o Novo Testamento nos manda que nos guardemos...
1. “Guardai-vos de fazer a vossa esmola diante dos homens, para serdes
vistos por eles: aliás não tereis galardão junto de vosso Pai, que está nos céus” - (Mt 6:1)
Uma das grandes lutas do Senhor Jesus contra os
religiosos de sua época foi a ostentação proposital de seus atos religiosos,
com o objetivo de serem vistos pelas pessoas, reconhecidos como grandes homens
de Deus e tratados de forma diferenciada por causa disto. Em várias ocasiões
Ele mostra religiosos em exemplos e parábolas, sempre destacando sua jactância
em sua própria religiosidade e o desprezo por aqueles que não possuíam o mesmo
padrão de santidade por eles alcançados. João relata em seu Evangelho que os
sacerdotes chegaram ao ponto de declarar: “esta multidão, que não sabe a lei, é maldita” (Jo 7:49),
orgulhando-se de seus conhecimentos diferenciados da Lei e esquecendo-se que se
a multidão não conhecia a Lei era exatamente por causa da sua omissão em
ensiná-la, uma vez que era obrigação dos sacerdotes fazer isso!
Lamentavelmente, em nossos dias, esta prática persiste no
meio cristão, e com a mesma força, senão com força maior. Embora a Bíblia
afirme categoricamente a igualdade de todos os filhos de Deus diante do Pai,
alguns insistem em se achar melhores que os outros por causa de suas próprias obras.
Nada mudou. Se o fariseu da parábola se julgava superior ao publicano e aos
demais homens porque não era nem ladrão, nem injusto, nem adúltero, antes
jejuava duas vezes por semana e ainda dizimava fielmente (Lc 18:11-12), muitos
se acham igualmente superiores pelos mesmos motivos, e também por serem oficiais da Igreja, por orarem
fielmente e de joelhos todas as madrugadas por pelo menos uma hora, por subirem
aos montes para orar, por não faltarem
aos cultos da Igreja, por fazerem parte de determinados grupos dentro da Igreja,
por serem batizados com o Espírito Santo etc... O que não faltam são motivos
para alguém se julgar superior aos outros!
Felizmente, não há nada que façamos que nos torne
superiores. O próprio Senhor nos disse que o que quer ser superior deve se
tornar inferior, servo, escravo (diakonos)
dos demais. Nada do que façamos nos torna melhores! Somos o que somos por causa
da graça divina, do favor IMERECIDO do nosso Deus, e igualmente tudo o que Ele
nos dá é pela mesma graça. Paulo apóstolo deixa claro que “pela graça sois salvos... isto não vem das
obras, para que ninguém se glorie ... e se é por graça, já não é pelas obras;
de outra maneira, a graça já não é graça” (Ef 2:8-9, Rm 11:6). O problema é
que estas pessoas consideram a graça insuficiente; eles TÊM QUE FAZER ALGUMA
COISA para tornar a fé cristã mais coerente...
Chama-nos a atenção algumas coisas:
As pessoas que se gloriam de suas obras são profundamente
injustas porque não consideram alguns princípios, como a medida de fé (Rm 12:3),
a condição de cada crente como membro do corpo de Cristo (1 Co 12:27) e a
impossibilidade de sermos exatamente iguais uns aos outros (1 Co 12:14ss).
Paulo afirma sobre isto que “Porque, pela
graça que me foi dada, digo a cada um dentre vós que não pense de si mesmo além
do que convém; antes, pense com moderação, segundo a medida da fé que Deus
repartiu a cada um. Porque assim como num só corpo temos muitos membros, mas
nem todos os membros têm a mesma função, assim também nós, conquanto muitos,
somos um só corpo em Cristo e membros uns dos outros, tendo, porém, diferentes
dons segundo a graça que nos foi dada...” (Rm 12:3-6). Somos realmente
diferentes, dependentes uns dos outros, e graças a Deus por isso, pois foi Ele
mesmo quem quis assim! Vinicius de Moraes, autor da música SE TODOS FOSSEM IGUAIS
A VOCÊ, falando certa vez acerca da letra que compôs afirmou que a letra em si
era uma grande bobagem, pois um mundo de pessoas exatamente iguais seria
chatíssimo...
Não somos iguais! A alguns, Deus deu a medida de levantar
pelas madrugadas para interceder, e a outros não; a uns, Deus deu tal dom
ministerial, e a outros não. E não cabe a nós, detentores de algum dom gracioso
de Deus, querermos ser o aferidor da medida, o fiel da balança. Imagine eu, que
tenho certa facilidade em escrever, querendo ser superior ao irmão que não tem
a mesma fluência com as palavras... Imagine o maratonista querer exigir que eu
corra os mesmos 42 kilômetros que ele! Aprendi, do alto dos meus quase quarenta
anos de violonista, que não devo me considerar melhor queos novos, que estão
aprendendo agora; ora, como vou saber se este que nem sabe os primeiros acordes
daqui a quarenta anos não será um exímio instrumentista? E quem disse que eu,
com toda a minha experiência no instrumento, não tenho nada a aprender com ele,
não dependo dele ara algo?
O problema é exatamente que as pessoas que têm certos
dons e serviços no Reino usam tais coisas como forma de autopromoção. Se fazem
certa coisa, querem que seu serviço lhes dê status
de diferenciação e santidade. Aliás, eles já fazem tais coisas, e divulgam aos
quatro cantos, exatamente paraserem reconhecidos pelos homens que os rodeiam.
Se nos identificamos com tal comportamento, podemos ter a certeza de duas
coisas: [1] já recebemos a recompensa, e nada teremos a receber de Deus e [2]
esta atitude é a primeira que o Senhor manda que nos guardemos dela!
A parábola dos trabalhadores da vinha (Mt 20:1-16) derruba
por terra qualquer pretensão de alguém julgar-se melhor que os outros por causa
de sua maior dedicação, maior santidade ou maior qualquer-outra-coisa. Várias
levas de funcionários foram encaminhadas a trabalhar na vinha; algumas no
começo do dia, outras no meio e outras faltando apenas uma hora para o término
do expediente. Entretanto, todos os diaristas foram pagos com o mesmo salário, UM
DENÁRIO, o que irritou os que mais trabalharam, pois se julgavam dignos de
melhor pagamento por terem se esforçado mais. Reconheço que para os nossos
padrões humanos, a reclamação dos trabalhadores que labutaram o dia inteiro é
justa, mas para os padrões do Reino, não! Nosso salário será o mesmo no Reino
de Deus: a vida eterna. Ninguém, por maior nível de santidade que alcance, terá
salvação maior que outros! Da mesma forma, julgar-se superior aos demais irmãos
por causa de nossas obras é ultrajante diante de Deus!
Há, entretanto, a questão do galardão. Todos seremos
galardoados pelas nossas obras, considerando o que fizemos de bom, e neste
aspecto haverá diferentes níveis de recompensa. Entretanto, qualquer tentativa
de especulação do que venha a ser tal galardão é mera especulação. Isto é da
alçada exclusiva de Deus! Além disso,
tal diferenciação só nos será feita na eternidade, e não na dispensação da
Igreja.
Vez em quando eu vejo pessoas que, por causa de seu
serviço, seus dons, seus talentos, seus esforços ou até dos sinais que Deus faz por meio deles
(será??), se julgam melhores, mais crentes, mais santas que as demais pessoas.
Estas me servem de exemplo e estímulo à minha vida cristã. Primeiro, o exemplo
daquilo que eu NÃO DEVO FAZER. Segundo, o estímulo para que eu me mantenha
afastado delas a maior distância possível! Afinal, são muito santas, e a minha
proximidade pode alterar-lhes a comunhão com seu deus! Com ‘d” minúsculo mesmo!
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