Eu conheci o João* nos meus tempos de Seminário, lá pelos idos de 1986, aquela época que a gente era feliz, mas não sabia. Embora eu fosse um ano mais velho e mais adiantado que ele, estávamos sempre juntos, e logo estabelecemos uma amizade. A saída do curso, porém, nos afastou. Eu permaneci em João Pessoa, e ele voltou à sua terra de origem, iniciando o ministério que o Senhor lhe confiou.
Confesso que este tempo cruel me fez até esquecê-lo em dado momento, até que as redes sociais se encarregaram de proporcionar o reencontro. Nos encontramos no hoje tão abandonado Orkut , depois de mais de vinte anos de afastamento, e mais tarde o Messenger foi o meio de refrescar lembranças e reviver os tempos passados através de uma longa conversa on line...
Em um dado momento, João me perguntou como estava meu ministério. Eu lhe falei que não era pastor, mas que desempenhava minhas funções de servo como obreiro de uma pequena igreja Neopentecostal aqui mesmo em João Pessoa. Aquilo fez o João rir “a bandeiras despregadas”. “Poxa, meu amigo Zilton,” ― repetiu ele pelo menos três vezes ― “eu não consigo imaginar você como um Neopentecostal!”.**
Em meio aos seus “kkkkkkk” repetidos, eu tentei lhe explicar que a igreja aonde eu estava congregando se enquadrava "tecnicamente" nesta categoria, mas que não era tão neopentecostal assim. O pastor era um homem muito equilibrado, centrado na Palavra de Deus, as doutrinas eram bíblicas, etc. Mas a pecha de Neopentecostal fez com que as risadas do João se repetissem por várias vezes nos longos momentos de nossa conversa cibernética. E eu não posso imaginá-lo agora senão dando uma grande e forte risada, ao lembrar o seu amigo Zilton como um Neopentecostal.
Passa mais um tempo, uns três anos, e chegamos ao tempo atual. Agora, eu não sei se rio ou se choro. Acabo de descobrir, via rede social, que meu amigo João é “apóstolo”! Tava lá, no perfil dele, algumas pessoas o chamando de “apóstolo João”...
Sabe aquela igrejinha Neopentecostal da qual eu era membro, João? Eu não faço mais parte dela, embora ela ainda esteja lá, firme e forte, sempre pequena ― quando cresce um pouco, logo vem um “vento” e muitos partem para outras pastagens. Seu pastor é um dos meus melhores amigos. Continua um homem equilibrado, cada dia mais centrado nas Escrituras, e talvez seja por isso que a igreja permanece pequena: nos dias de hoje, as pessoas buscam flexibilidade doutrinária, e ele não se afasta dos princípios da Palavra de Deus.
Falando em um paraibanês fluente, pense numa igreja Neopentecostal arretada, João! Para que você tenha uma ideia de como a amo e considero, há algum tempo, quando um grande amigo e colega profissional me pediu ajuda espiritual para alguns problemas que passava, não o encaminhei à Igreja onde hoje congrego, e sim a ela.
Lá não se dá ênfase à prosperidade antibíblica, tão pregada nos quatro cantos do nosso Brasil. Lá não se rouba o rebanho em nome de Deus, mas respeita-se os métodos bíblicos de dizimar e ofertar. Lá não tem “incêndios sagrados” ou quaisquer outras “campanhas extorquivas” para abocanhar sem piedade o dinheiro dos incautos e simples. Lá não se vende sal grosso, nem óleo ungido e nem lenços e toalhas suados; E o mais importante, João: lá não se negligencia a pregação da Palavra. As curas e libertações, sempre presentes como em qualquer igreja Pentecostal, não são o seu centro doutrinário e existencial, e sim a salvação e a restauração do homem. Você precisa ver o silêncio reverente que os irmãos fazem na hora de ouvir a Palavra de Deus, silêncio este só entrecortados com "aleluias" e "glórias a Deus" que não atrapalham a ordem e a decência do culto.
Você me pergunta: esta igreja é Pentecostal e não há manifestações pentecostais? Claro que há! Já presenciei curas e libertações espirituais naquele local (libertações mesmo, João; não era teatro. Você me conhece, e sabe que eu jamais compactuaria com uma mentira desta estirpe!), tudo dentro da ordem e decência. Lembro-me perfeitamente de uma mulher endemoninhada que chegou lá certa noite de quinta-feira, levada para ser liberta. Quando o demônio, no início do culto, quis fazer gracinha e atrapalhar a ordem e a decência do culto, o pastor desceu do púlpito, impôs-lhe a mão e disse com autoridade: "Em nome de Jesus Cristo, fique calado e assista ao culto! No final, eu trato de você!". Disse isso e voltou para o púlpito, conduzindo-o normalmente. O demônio se balançava de um lado para o outro, mas ficou em silêncio durante todo o culto. Já no final, após a pregação da Palavra, o pastor pediu que as portas da igreja fossem fechadas (segundo ele, a igreja não é teatro, para que as pessoas assistam "espetáculos", principalmente da calçada) e que trouxessem a mulher à frente. Sem qualquer tipo de "entrevista com o demônio", tão comuns em nossos dias, ele ordenou que o espírito mau saísse daquela vida. Poucos minutos depois, após alguma resistência inútil do demônio, aquela mulher estava liberta. Me diga, João: você costuma ver este tipo de coisa, esta ordem e esta decência toda, em Igrejas Neopentecostais por aí??
Se a chamei esta Igreja de Neopentecostal, e continuo chamando-a assim, é porque ela é uma igreja independente, não ligada a nenhuma convenção tradicional e estabelecida. Pouca coisa além disso a qualifica (ou desqualifica??) como Neopentecostal.
O meu amigo Wanderlei, que a pastoreia com dedicação e amor, é mais velho que você, João. Talvez tenha mais tempo de ministério do que nós dois. O Senhor me deu a graça de ser um instrumento presente na vida para que esta centralização bíblica se torne cada dia mais palpável. Conversamos muito sobre doutrina, e temos muita coisa em comum, além da sólida amizade. Mas sabe o que mais me chama a atenção naquele homem? Ele ainda é Pastor, enquanto você, que riu e ri da neopentecostalidade dele, hoje é “apóstolo”!
Tenho muito medo, João, deste teu título de “apóstolo”. Teu não: de muitos. Só aqui em João Pessoa, capital da velha Paraíba, tem pelo menos mais cinco que se deram este título. Assisti, enojado, pela tevê a “unção” de um deles. Foi “ungido” por Presbíteros, Diáconos e Pastores. Pode, João?? Desde quando eu, que não sou Pastor, tenho autoridade para ungir um Pastor?? A "unção", que seria melhor chamada de "ordenação", só pode ser impetrada por alguém que detenha a mesma posição e autoridade eclesiástica! Lembra, João, que aprendemos isto com a saudosa dona Lídia? Agora entendo porque Deus a recolheu, antes de ela ver com seus olhos no que os "homens de Deus desta geração" transformariam a Igreja...
E por falar nisso, João, quem foi que te ordenou "apóstolo"? Um colegiado de também "apóstolos", ou um colegiado de outros obreiros, bispos, pastores, presbíteros etc, inferiores a apóstolos? No caso de ter sido esta segunda opção, você realmente considera válida esta ordenação??
Não reconheço o pseudotítulo “apostólico” moderno, porque ele não é bíblico ― nenhum dos seus detentores atuais preenchem as suas condições. Basta ler as Escrituras que se constata isto facilmente! Além de tudo, os verdadeiros apóstolos nunca usaram este título antes dos seus nomes. Dá uma lida, João, no PRIMEIRO versículo de cada carta escrita pelos apóstolos verdadeiros, e você vai observar isto. Mas os atuais fazem questão de se chamarem e serem chamados de APÓSTOLO Fulano. E ai de quem os chamar de Pastores, diminuindo-lhes o status conquistado e arranhando-lhes o ego cultivado! Isto me remete inexoravelmente para o capítulo 23 do Evangelho de Mateus, onde Jesus “desce o bambu” nos escribas e fariseus , e nos orienta: “Vós, porém, não queirais ser chamados Rabi, porque um só é o vosso Mestre, a saber, o Cristo, e todos vós sois irmãos. E a ninguém na terra chameis vosso pai, porque um só é o vosso Pai, o qual está nos céus. Nem vos chameis mestres, porque um só é o vosso Mestre, que é o Cristo. Porém, o maior de entre vós será vosso servo. E o que a si mesmo se exaltar será humilhado; e o que a si mesmo se humilhar será exaltado” Mt 23:8-12.
Mas sabe o que é pior, João? O pior é que eu ainda não consegui reunir coragem para conversar contigo sobre o assunto. Lembra-se daqueles emissários de Davi, que foram humilhados por Hanun, rei de Amon, tiveram suas barbas raspadas, e ficaram em Jericó escondidos, mortos de vergonha? Meu sentimento é parecido. Eu gostaria de conversar com você a respeito, e até poderia puxar o assunto contigo pelo Messenger, como nossa primeira conversa, mas tenho até vergonha de fazê-lo. Talvez da mesma forma que você reagiu no nosso “reencontro cibernético”, quando nem teve coragem de conversar comigo e me aconselhar a respeito dos perigos de ser e assumir-se um neopentecostal, mas apenas riu da situação, eu estou reagindo neste momento. Só que minha vontade não é de rir, e sim de chorar.
Tenho vontade de chorar, amigo João, quando vejo o que estes “apóstolos” modernos estão fazendo com a Igreja do Senhor Jesus. Enquanto os verdadeiros Apóstolos, com “A” maiúsculo, eram guardiões da doutrina, uma única doutrina, estes “apóstolos” com “a” minúsculo se preocupam só consigo mesmo, com a divisão da já tão dividida e rachada Igreja do Senhor Jesus, com a proliferação de doutrinas estranhas, com o afastamento do povo da Palavra e da sã doutrina, única capaz de conduzir o homem pecador à salvação.
Choro, amigo João, quando vejo que os verdadeiros Apóstolos, como narram as Escrituras, viraram o mundo de sua época de cabeça para baixo, enquanto os “apóstolos” modernos estão virando a IGREJA de cabeça para baixo.
Gostaria de tomar conhecimento que este não é o teu caso. Gostaria muito de te ver novamente sendo chamado de “Pastor João”, com “P” maiúsculo, dirigente de uma igreja centrada na Palavra, distante dos modismos e submissa ao Senhor Jesus.
Quem sabe um dia eu tenha a coragem e a hombridade de te procurar para tratarmos deste assunto via Messenger, telefone ou quiçá pessoalmente. Enquanto isso não acontece, envio-te o link de dois textos, que versam sobre o mesmo assunto: o primeiro, de minha autoria, postado neste blog sob o título APOSTOLICES; o segundo, eu garimpei na Internet, com o título CARTA DE UM PASTOR A UM APÓSTOLO. Espero que os dois te sejam úteis.
Em Cristo, manterei a minha esperança de que voltes à sã doutrina, abandones o pomposo título de “apóstolo“ e abraces a função de servo, sempre servo, nada mais que servo.
“Fiz-me acaso vosso inimigo, dizendo a verdade?” Gálatas 4:16
* O nome "João" é fictício
** Os que me conhecem sabem que, Bereiano que sou, jamais eu me adaptaria ou me submeteria a uma igreja realmente Neopentecostal! Vade retro!!