sexta-feira, 31 de julho de 2015

AS CONTRADIÇÕES DOS DESIGREJADOS

Pr. Idauro Campos


Tenho estudado o tema dos desigrejados e procurado entender o fenômeno, suas causas e suas consequências dentro do cenário protestante brasileiro.  No que tange ao comportamento de muitos desigrejados e simpatizantes, percebi um padrão que está relacionado com o modus operandi de alguns grupos. Esse modus operandi que será exposto abaixo evidencia algumas fragilidades, inconsistências e incoerências do movimento, revelando que, por mais que se tente não se consegue despir completamente qualquer movimento restauracionista de traços institucionais, pois, tais, são inerentes e inseparáveis das experiências dos ajuntamentos. Podemos, portanto, apontar algumas expressões institucionais presentes no movimento dos desigrejados, revelando, com bom humor, algumas das contradições e das armadilhas que cometem e caem:

1 – Em uma reunião de desigrejados, há sempre alguém que dirige a mesma.  Geralmente, é o que detém, senão o monopólio, ao menos a primazia da palavra. É o mestre do grupo. Na prática é o pastor. Outros do grupo fazem algumas contribuições; contam algumas experiências; leem alguns versículos, trazem, uma vez ou outra, uma mensagem, mas a abordagem principal é daquele que tem a capacidade do ensino e da pregação. Igual nas igrejas convencionais. Compare os grupos; visite-os, assista-os na internet. O líder dos desigrejados são os que mais falam, ensinam e abordam. Há uma diferença: não são chamados de pastores, e sim de "irmão", "mentor" ou pelo nome mesmo, mas trata-se apenas de rejeição didática da nomenclatura "pastor", pois, na prática, e na dinâmica do trabalho, se comportam, agem e reagem como os pastores que conhecemos.

2 - Criticam a institucionalização da igreja, mas dão nomes aos seus projetos: EQUI (Eu Quero Uma Igreja), Caminho da Graça, Igreja Orgânica, Igreja nos Lares e etc (qual a diferença para outros nomes, como Nova Vida, Assembleia de Deus, Metodista e etc?). Tais projetos estão sistematizados (possuem encontros em dias, horários e locais marcados; estudos dirigidos que constroem o arcabouço teórico do movimento; publicam livros e artigos em sites), pois a institucionalização é inevitável aos ajuntamentos humanos.

3 -  Criticam as reuniões regulares nos templos religiosos, mas se reúnem via Skyp (hangouts), em sítios, cafeterias, salões, varandas e etc.

4 – Alguns desenvolvem espírito de Seita, pois alegam que as pessoas têm que "sair do sistema" (sair da igreja), para encontrar "o verdadeiro evangelho", ou, no melhor estilo da linguagem caiofabiana: "discernir o evangelho".  Tenho apenas uma pergunta a fazer: E se alguém não sair? O que acontecerá? Não será salvo? Quem salva é Cristo? Ou a desigrejação é o que salva? Tenho que sair da Comunidade de fé que congrego para ser salvo? Sabemos, obviamente, que a resposta é um sonoro não. Quem salva é JESUS CRISTO. Seja você Batista, Presbiteriano ou seja lá o que for. O importante é a experiência com Jesus Cristo!

5 - Criticam os compromissos institucionais, mas reclamam daqueles que não querem participar das reuniões que realizam. Chegam a dizer que na época que eram institucionalizados "iam aos cultos segunda, terça [...] sábado [...], mas agora que estão livres, não querem se reunir". Ou seja, a mesma cobrança das igrejas institucionalizadas. De uma forma mais branda, mas, ainda assim, cobrança a uma forma de compromisso.

6 - Alegam que não seguem a homens (somente a Jesus), mas escolheram Caio Fábio, Mario Persona, Pedroza, Rubens, Paulo Brabo, Frank Viola como seus gurus espirituais.

7 - Rejeitam Calvino, Lutero, Zwinglio, alegando que não precisam de mestres humanos, mas devoram o que Viola escreve. Trocam de mestres humanos por outros mestres humanos, portanto!

8 - Dizem que basta o ler o Novo Testamento para entender a irrelevância da igreja contemporânea, mas precisam do "Cristianismo Pagão" para formularem suas teses desconstrucionistas e construir o "trilho básico" do movimento.

9- Criticam o sectarismo das igrejas, mas também o são: Rubem critica Caio, que já Criticou o pessoal do EQUI, que criticam o Rubem e o Pedroza. Por aí vai!


 É Importante Entender Que

1 - Há gente de Deus dentro das comunidades chamadas Batistas, Metodistas e Presbiterianas e afins. Na verdade, a maioria das pessoas cristãos que congregam são maravilhosas e servem a Deus. Tornando desnecessária a deserção. O apóstolo Paulo ao escrever aos Coríntios (1. Co 1.2) se dirige aos mesmos como "A Igreja de Deus que está em Corinto", mesmo como todos os problemas da mesma (divisão, pecados sexuais, litígio, desordem litúrgica, heresia, discriminação social, e etc), nunca defendeu o abandono da comunidade como solução.

2 - O problema não é o sistema, CNPJ, isto é, não é a instituição (ela neutra). O que corrompe é o coração do homem. E pode se estar dentro de uma grande denominação ou reunido com pessoas em uma varanda. No Éden eram apenas dois (Adão e Eva) e deu no que deu.  Além disso, as igrejas neotestamentárias, mesmo insipientes, lideradas pelos apóstolos, pequenas e funcionando em casas, não deixaram de enfrentar seus muitíssimos e graves problemas e que levaram, inclusive, apóstolos como Paulo, a escrever cartas para tratar de suas seríssimas demandas. Heresia em Colossos, legalismo na Galácia, agitação escatológica em Tessalônica, carnalidade em Corinto e etc. A própria Igreja Primitiva não ficou sem seus dramas e crises, efeitos inevitáveis dos ajuntamentos e de nossa pecaminosidade.

3 - Conheço um grupo de irmãos que saiu de uma igreja, organizou um núcleo de desigrejados, não demorando muito para aparecer a primeira crise, pois um sujeito deu em cima da mulher do outro. Deu confusão. Não adianta ser reunir em casas, sítios ou praias. O problema não é o lugar! Não adianta se reunir em número de dois, três, de dez ou mil: o problema não é quantidade de pessoas! O problema é a PECAMINOSIDADE HUMANA que nos acompanhará sejam em uma singela reunião em uma varanda com 05 pessoas ou em uma grande comunidade com ministérios de louvor, coral, pastores e etc. É muita ingenuidade dos desigrejados acharem que saindo das quatro paredes de um templo e se enfiando dentro das quatro paredes da casa de alguém que irão revigorar a fé das pessoas. A Trindade não é claustrofóbica ou oclofóbica. Não tem, portanto, medo de lugares fechados (templos, por exemplo) ou de multidões. Quem desenvolve tais sintomas são os desigrejados, não a Trindade!

4- A reunião pode ser em varanda com 05 pessoas e ser uma bênção ou com 1000 pessoas em templo chamado "Batista" e também ser uma bênção. Qual o problema? Jesus disse que onde houver "dois ou três". Ora, se é isso, qual o problema de 200 pessoas se reunirem um lugar chamado templo presbiteriano para cultuar? As 200 pessoas da hipótese não estariam diante de Cristo? Para Cristo estar presente a reunião tem que ser com poucas pessoas em uma sala, varanda ou sítio? Sinceramente não entendo a Cruzada dos desigrejados! A igreja verdadeira é a universal / invisível, a que é constituída por todos os que se encontraram com o Senhor Jesus Cristo, o Filho de Deus. Sendo assim, PROVEM -ME OS DESIGREJADOS QUE NÃO HÁ CRISTÃOS VERDADEIROS DENTRO DAS COMUNIDADES INSTITUCIONALIZADAS. OU SERÁ QUE OS DESIGREJADOS ACREDITAM QUE SOMENTE ELES ESTÃO SALVOS?

5 - Os Desigrejados dizem: "a verdadeira igreja não são as quatro paredes do templo, mas sim nós, os cristãos": Nossa! Que novidade extraordinária!!!  Disso sei há mais de 20 anos, quando me converti. Até as crianças aprendem isso na Escola Dominical! Não precisamos do panelaço dos desigrejados para saber o que o Novo Testamento há mais de 2000 anos ensina. Estou na mesma denominação há 21 anos. NUNCA, NUNCA, NUNCA e NUNCA ouvi meus pastores afirmarem que o verdadeiro templo do Espírito Santo são os quatro paredes. NUNCA! Sempre disseram que a verdadeira igreja somos nós. E que o templo é apenas o lugar onde os irmãos se encontram para adorar coletivamente. Sempre disseram que devemos viver o Evangelho em casa, na vizinhança, no trabalho, na faculdade e no seio da família. Que devemos adorar a Deus em casa, ler a Bíblia e orar em casa, assim como em todos os demais lugares. Os dias de reunião é a ocasião de Celebração coletiva. Apenas isso!

6 - O problema não é dos igrejados para com os desigrejados. E sim dos desigrejados para com os igrejados. Para mim, se não tomarem o cuidado, produzirão espírito de Seita, ao insistirem no esquema “saia da igreja para encontrar a Deus”. Há desigrejados dizendo isso. A história da igreja prova o quão estão errados.

Idauro Campos é autor do livro “DESIGREJADOS – TEORIA, HISTÓRIA E CONTRADIÇÕES DO NIILISMO ECLESIÁSTICO”, o primeiro livro acadêmico publicado no Brasil sobre o movimento dos desigrejados. Prefaciado pelo Dr. Augustus Nicodemus Lopes.

segunda-feira, 4 de maio de 2015

GANGRENA GO$PEL

Procura apresentar-te diante de Deus aprovado, como obreiro que não tem de que se envergonhar, que maneja bem a palavra da verdade. Mas evita as conversas vãs e profanas; porque os que delas usam passarão a impiedade ainda maior, e as suas palavras alastrarão [roerão, destruirão] como gangrena; entre os quais estão Himeneu e Fileto, que se desviaram da verdade, dizendo que a ressurreição é já passada, e assim pervertem a fé a alguns. Todavia o firme fundamento de Deus permanece, tendo este selo: O Senhor conhece os seus, e: Aparte-se da injustiça todo aquele que profere o nome do Senhor” (2 Tm 2:15-19).

Lamentavelmente, qualquer pessoa sincera, conhecedora das Escrituras, que analisar a nossa conjuntura "evangélica" constatará que vivemos dias difíceis, aonde o erro doutrinário domina o cenário, e poucas são as pessoas que conseguem enxergar tal erro, aliado a uma multidão que busca calar a boca dos que enxergam o erro e procuram corrigir os problemas. Paulo ensina que aos hereges é que devem ser tapadas as bocas (Tt 1:10-11), e não aos que procuram trazer a Igreja ao arrependimento e à prática do Evangelho antigo!

Grandes congressos são feitos em nível nacional, e a quantidade de ensinos heréticos pregados nos mesmos (como, em um recente, o ensinamento que "os crentes são pequenos deuses nesta terra" ou mesmo a chamada de um pregador para que todos tocassem em seu suor repleto de poder de Deus) acompanhados de gritos de glória e brados de júbilo, assustam! Algumas são heresias antigas, mas que continuam a ser pregadas em nosso meio, e recebem a crença de uma multidão. 

Os hinos compostos por esta geração de cantores e compositores go$pel, e que são a real fonte de ensino da maior parte dos crentes, também assustam. Eles estão recheados de meias verdades e de mentiras inteiras, e igualmente tais mentiras são ignoradas, passam imperceptíveis a seus ouvidos e mentes, e são "engolidas e digeridas" como se fossem a mais sublime das verdades celestiais. Não obstante, são reverenciados no meio dos grupos de louvor, os CDs e Play Backs (piratas, é claro!) estão presentes em quase todas as casas e Igrejas, e tais músicas são ouvidas à exaustão em smartphones e iPods, fazendo com que suas (in)verdades sejam absorvidas pela mente, alma e espírito dos ouvintes.

Some-se tudo isso à quase absoluta falta de leitura bíblia da parte dos crentes desta geração, à falta de ensino sólido e responsável nas Igrejas. E entre os ensinos ministrados e as letras dos hinos, ou às mensagens pregadas, os primeiros são completamente descartados.

Não tenho medo de dizer que a música "do mundo" (respeitada, obviamente, a sua qualidade) é menos danosa que a "música Go$pel". Afinal, ninguém ouve Djavan, ou Roberto Carlos, ou qualquer outro cantor "do mundo" achando que sua música transmite alguma verdade absoluta acerca da Palavra ou do Reino; entretanto, já ouvi muitos crentes afirmando que a música composta e/ou cantada por um cantor crente é tão inspirada e tão verdadeira quanto a própria Bíblia, quando não lhe é superior! Aliás, já vivenciei muitas vezes isso: mesmo quando um erro doutrinário grave de uma música go$pel é identificado, mostrado e refutado PELA BÍBLIA, o ouvinte despreza o que está escrito em detrimento do que "está cantado"!!

Ouvir rádios go$pel nos dias de hoje é uma temeridade! Tal audiência destrói qualquer base de ensino sério das Escrituras e da doutrina que qualquer pastor ou discipulador tenha edificado na vida de um crente! Certo dia, viajando no carro de um parente, fui "obrigado" a ouvir por quase três horas a programação de uma "rádio evangélica" do meu Estado. Posso garantir que, sem falar nos infindáveis pedidos de dinheiro, dízimos, ofertas e votos, com "exegeses" e "hermenêuticas" terríveis, não ouvi UMA MÚSICA SEQUER que realmente glorificasse a Deus (exceto uma regravação de um hino antigo, daqueles de hinário). Todas as músicas da programação eram antropocêntricas, extrabíblicas e antibíblicas! São estes hinos, infelizmente, que ensinam doutrina em nossos dias! Se algum deles, sucesso nacional, afirmar que Jesus tinha olhos azuis, isso será incorporado à doutrina! Afinal, só para dar UM exemplo sobre os males de um mau ensino via músicas go$pel, por mais que seu discipulador o tenha ensinado a amar seus inimigos, bendizer os que os maldizem, fazer o bem aos que os odeiam e orar pelos perseguidores (Mt 5:44), as músicas ensinam a odiar os inimigos, combatê-los, buscar fervorosamente a Deus em prol de sua destruição etc.

O Youtube está repleto de "pregadores", e assistir suas pregações é uma tarefa que, confesso, para mim está cada dia mais difícil! Nem me refiro mais às infantilidades dos pregadores, ou a nítida personificação de suas personagens (alguns, imitando roupas, trejeitos e tom de voz de seus "ídolos"), suas pantomimas no "palco", mas sim ao CONTEÚDO DOUTRINÁRIO. O desconhecimento teológico é patente, e mesmo quando há certo conhecimento, o desrespeito e o desprezo pela teologia ortodoxa é visível. Até mesmo alguns pregadores que ostentam anel de Doutorado em Teologia pregam heresias tão terríveis e antigas que é impossível que não tenham aprendido no Seminário acerca delas e a sua refutação bíblica! Um importante "após-Tolo" disse há algum tempo que Jesus era CRIATURA de Deus, criado por Ele. Nada de novo! Isto é vestígio dos ensinos de Ário, bispo de Alexandria... 

Paulo ensina a Timóteo da necessidade de zelar pela doutrina. Ele afirma: “Tem cuidado de ti mesmo E DA DOUTRINA, persevera nestas coisas; porque, fazendo isto, te salvarás, tanto a ti mesmo como aos que te ouvem” (1 Tm 4:16 - grifos meus). A doutrina que seguimos é fundamental à nossa salvação. Se não for assim, qual o problema em servir a Deus segundo a doutrina mórmon, ou adventista, ou mesmo espírita? A resposta é óbvia: porque tais doutrinas contêm erros em seu âmago que comprometem o todo. E por que seria diferente com a "doutrina evangélica" quando a mesma apresenta igualmente erros colunares?

Paulo ensina que devemos evitar conversas vãs e profanas, pois os que não evitam passarão a impiedade ainda maior. E ele compara a fonte destas conversações vãs e profanas com o FALSO ENSINO transmitido por Himeneu e Fileto, que ensinavam uma grande mentira acerca da ressurreição. Podemos evidentemente aplicar o mesmo princípio a qualquer música ou pregação que se autodenomine santa, mas ensina MENTIRAS DOUTRINÁRIAS em seu âmago! O filtro para se compreender quais são as conversações profanas é a MENTIRA DOUTRINÁRIA. Se a Escritura afirma que Deus é fiel a SI MESMO, e algum hino ou pregação ou ensinamento ensina que Ele é fiel AO HOMEM, está detectado o erro! Se nos é ensinado que devemos DETERMINAR ORDENS A DEUS, e a Escritura ensina que devemos pedir-Lhe humildemente, mais um erro detectado! E assim devemos prosseguir, filtrando o que nos chega aos ouvidos. Todo erro que nos for ensinado nos mostra, sem dúvida, que tal hino, pregação ou ensino se trata de conversação vã e profana, o que deve ser evitado!

Paulo continua falando sobre o estrago que estas conversações profanas fazem, comparando-o com o estrago da GANGRENA em um corpo humano. Gangrena ou necrose gangrenosa é um tipo de necrose causada pela morte de um tecido por falta de irrigação sanguínea, e consequente falta de oxigênio. Isosleva a morte da área afetada! Eis a comparação que Paulo faz acerca destes falsos ensinos! Enquanto muitos procuram minimizar a má influência que as músicas e mensagens go$pel produzem na vida dos crentes, Paulo faz-lhe comparação à GANGRENA... Completamente destruidora, a mensagem composta de erro produz MORTE.

Paulo encerra com uma outra grande verdade: os que são de Deus e proferem Seu Santo Nome se afastam, por instinto, das mentiras, assim como nós nos afastamos imediatamente quando entramos em um ambiente com cheiro de mofo, ou qualquer outro elemento estranho que possa nos fazer mal à saúde!

Você é de Deus? Profere o Nome dEle em sua vida? Afaste-se desta impiedade!

sexta-feira, 24 de abril de 2015

REBELDE, FEITICEIRO, INÍQUO E IDÓLATRA — QUEM MESMO?

Porque a rebelião é como o pecado de feitiçaria, e o porfiar é como iniquidade e idolatria” (1 Sm 15:23a)

Ontem, em conversa inbox com uma amiga, observamos o quanto este texto bíblico, obviamente extraído de seu contexto e péssimamente interpretado, é largamente usado na tarefa de manter as ovelhas mudas diante de seus pastores e suas atitudes não tão bíblicas. Qualquer questionamento é logo enquadrado como rebelião, e a rebelião comparada à feitiçaria. 

Associada com o “não julgueis” (Mt 7:1) e o “não toqueis nos meus ungidos” (Sl 105:15), se torna uma "trilogia intimidatória" quase perfeita! Afinal, nenhum crente sincero deseja ser um rebelde ou feiticeiro, iníquo ou idólatra... Assim, as ovelhas ficam caladas e mudas diante de qualquer absurdo promovido por seus pastores. Eles podem ser pegos no ato do adultério, ou depositando os dízimos e ofertas da igreja em suas contas pessoais, que não podem ser questionados ou contrariados! São "ungidos", embora não ajam como tal, como bem disse Paulo a Tito: “Confessam que conhecem a Deus, mas negam-no com as obras, sendo abomináveis, e desobedientes, e reprovados para toda a boa obra (Tt 1:16; ler também 1 Jo 2:3-6).

O que muitos, principalmente os líderes, não observam é que o texto foi aplicado exatamente a LÍDERES, e não ao rebanho em si. A fala do profeta e juiz Samuel foi dita contra atitudes de rebelião do líder Saul, que acabara de desobedecer à ordem divina de destruir completamente os amalequitas, suas cidades e seu gado. Basta ler o contexto, a história toda, para comprovar isso! A simples leitura da parte "b" do versículo já esclarece: “Porquanto TU rejeitaste a palavra do Senhor, ele também te rejeitou A TI, para que não sejas rei” (1 Sm 15:23b - grifos meus). É interessante observar que Deus não rejeitou o povo, mas rejeitou sumariamente o seu líder!

O contexto, inclusive, é MUITO mais amplo... Ao tentar justificar diante de Samuel a desobediência à ordem divina, vejamos o que Saul alega em seu favor: “Então feriu Saul aos amalequitas, desde Avila, até chegar a Sur, que está defronte do Egito. E tomou vivo a Agague, rei dos amalequitas; porém a todo o povo destruiu ao fio da espada. E Saul E O POVO perdoaram a Agague, e ao melhor das ovelhas e das vacas, e às da segunda sorte, e aos cordeiros, e ao melhor que havia, e não os quiseram destruir totalmente; porém a toda a coisa vil e desprezível destruíram totalmente [...] Então disse Samuel: Que balido, pois, de ovelhas, é este nos meus ouvidos, e o mugido de vacas que ouço? E disse Saul: De Amaleque as trouxeram; porque O POVO perdoou ao melhor das ovelhas e das vacas, para as oferecer ao Senhor, teu Deus: o resto, porém, temos destruído totalmente [...] dei ouvidos à voz do Senhor, e caminhei no caminho pelo qual o Senhor me enviou; e trouxe a Agague, rei de Amaleque, e os amalequitas destruí totalmente; Mas O POVO tomou do despojo ovelhas e vacas, o melhor do interdito, para oferecer ao Senhor, teu Deus, em Gilgal” (1 Sm 15:7-21 - grifos meus). Ou seja, se considerarmos que a iniciativa de poupar o melhor do rebanho para sacrifícios partiu DO POVO, quem foi chamado de rebelde e feiticeiro foi SAUL o líder!

A cobrança divina sempre será maior para os líderes. Tiago nos orienta: “não queirais ser mestres, sabendo que receberemos mais duro juízo” (Tg 3:1). Os líderes,disse Jesus, serão muito mais cobrados que o rebanho (Lc 12:42-48). Paulo inclusive orienta que líderes sejam repreendidos na frente de todos os outros líderes, para que temam (1 Tm 5:20). Assim, antes de qualquer líder, por mais "ungido" que seja ou se ache, lançar a maldição de rebelde e feiticeiro sobre seus liderados porque eles o questionam em algum aspecto, jamais esqueça que tal maldição é primeiramente lançada sobre ele!

Além disso, é importante observar que questionar com o intuito de corrigir jamais pode ser tratado como rebelião. Observe-se que os diáconos foram instituídos pelos Apóstolos após uma MURMURAÇÃO dos cristãos gregos contra os judeus (At 6:1-7), o que nos mostra que nem toda murmuração, questionamento ou confrontação é maligno e diabólico. Outro exemplo clássico de divergência ocorreu ainda no primeiro século, quando os apóstolos e anciãos da igreja se reuniram em concílio para resolver um problema entre dois grupos, em relação à obrigatoriedade da observância da Lei pelos crentes gentios (At 15); mesmo em meio às discussões, foi possível se chegar a um acordo, e a decisão conduziu a igreja a uma unidade de fé. Observamos assim que até mesmo no seio da igreja pode (e deve!) existir a chamada “crítica construtiva”, que poderá ser usada para corrigir ou melhorar condutas e formas de governo. Ainda no AT, Moisés deu ouvidos a uma crítica de seu sogro, e com isso melhorou sua forma de administrar o sistema judiciário em Israel (Ex 18:13-27).  

É interessante, como demonstramos, jamais esquecer o contexto das Escrituras, jamais usar textos isolados, muito menos para benefício próprio, visando qualquer privilégio ou imunidade! E procurar ser líder segundo o coração de Deus, e nunca segundo seus próprios conceitos!


quinta-feira, 16 de abril de 2015

CONSIDERAÇÕES SOBRE PESSOAS NÃO CURADAS NA BÍBLIA


Li o artigo do pr. Renato Vargens sobre "o dia em que Paulo não curou um enfermo" (leia-o clicando aqui), aonde o apóstolo seguiu viagem deixando Trófimo doente em Mileto (2 Tm 4:20). Tal relato da Escritura é contrário aos "papas da teologia da saúde perfeita", um ramo da "teologia da prosperidade" que ensina que temos que orar DETERMINANDO a cura, e que Deus É OBRIGADO a curar imediatamente TODAS as doenças. Tem que DETERMINAR mesmo, pois até usar a expressão "seja feita a Tua vontade" anula a fé curativa! Em seu livro "O Direito de Desfrutar Saúde", R. R. Soares declara: “Usar a frase ‘se for a Tua vontade’ em oração pode parecer espiritual, e demonstrar atitude piedosa de quem é submisso à vontade do Senhor, mas além de não adiantar nada, destrói a própria oração”, e outros "papas" da "teologia da prosperidade" confirmam isso!.



Mas o objetivo do pr. Renato foi tratar somente do caso de Trófimo, pois ele não falou de Timóteo, outro caso semelhante, a quem Paulo, incapaz de curá-lo, dá-lhe uma orientação: “Não bebas mais água só, mas usa de um pouco de vinho, por causa do teu estômago e das tuas frequentes enfermidades” (1 Tm 5:23). Timóteo não somente tinha problemas de estômago (Gastrite? Úlcera?), mas tinha OUTRAS enfermidades, e estas eram FREQUENTES, e por isso Paulo prescrevia doses terapêuticas, medicinais, de vinho, provavelmente diluído em água... Paulo, igualmente, não conseguiu curar as enfermidades de Timóteo e nem "quebrar a maldição" que havia sobre ele que o levava a constantemente enfermar!

O pr. Renato também não falou de Epafrodito... Paulo relata em outra epístola: “Julguei, contudo, necessário mandar-vos Epafrodito, meu irmão, e cooperador, e companheiro nos combates, e vosso enviado para prover às minhas necessidades. Porquanto tinha muitas saudades de vós todos, e estava muito angustiado de que tivésseis ouvido que ele estivera doente; e de fato esteve doente, e quase à morte; mas Deus se apiedou dele, e não somente dele, mas também de mim, para que eu não tivesse tristeza sobre tristeza” (Fp 2:25-27). Surpreende-me, à luz da "teologia da saúde perfeita", que Paulo não tenha dito no texto bíblico que fez a oração forte, a prece violenta, e o curou... O relato, pelo contrário, dá a entender que Deus curou Epafrodito quando todos a seu redor já não tinham mais esperança, quando ele estava "quase à morte"...

Se levássemos em consideração os ensinos dos que creem na saúde perfeita do crente, é quase certo que Paulo estava em pecado, ou sem autoridade para que Deus o ouvisse!

A própria vida de Paulo dá a entender que foi uma vida de enfermidades. Escrevendo aos Gálatas ele declara ter adoecido, e esta doença foi o motivo que levou ele à comunidade da Galácia e ali aproveitar a oportunidade para pregar o Evangelho (Gl 4.13). Paulo fala ainda de um problema pessoal, o conhecido "espinho na carne", acerca do qual Paulo orou a Deus três vezes para que o livrasse dele, e a resposta do Senhor foi: “A minha graça te basta, porque o poder se aperfeiçoa na fraqueza” (2 Co 12:7-10). Tem havido várias especulações sobre o que seria este "espinho na carne". Alguns estudiosos do Novo Testamento chegam a associá-lo a uma possível enfermidade, um problema crônico nos olhos, pois Paulo escreveu aos mesmos gálatas, na mesma epístola, dizendo: “...se possível fora, teríeis arrancado os vossos próprios olhos para mos dar”, e ainda: “Vede com que letras grandes vos escrevi de meu próprio punho” (Gl 4:15; 6:11), demonstrando dificuldades na escrita, talvez por problemas de visão (o que mais explicaria o ato de escrever com letras grandes?).

Paulo não escrevia as suas cartas, mas ditava para um amanuense (escriba), e apenas postava uma saudação final e assinava as epístolas (Rm 16.22; 1 Co 16.21; Cl 4.18; 2 Ts 3.17; Fm 1.19); entretanto, parece que na urgência do assunto e na falta de quem escrevesse para ele, escreveu ele mesmo, com grandes letras, a carta aos Gálatas. Este fato pode indicar um problema visual grave.

A Bíblia relata muitos casos de "não cura". Jesus, à beira do tanque de Betesda, aonde “jazia grande multidão de enfermos: Cegos, mancos e ressicados” (Jo 5:3), curou apenas UM PARALÍTICO. Pedro e João, à Porta Formosa, aonde se juntavam muitos doentes esmolando, curaram apenas um paralítico (At 3). No AT também vemos exemplos de pessoas, como Eliseu, cheias do poder de Deus mas que não "curaram a si mesmos"...

Não duvidamos da cura de Deus! Ele é poderoso para curar qualquer enfermidade, por mais simples ou mais terminal que seja! Conhecemos relatos de pacientes com câncer terminal foram completamente curados pelo poder de Deus, e conhecemos relatos de outros pacientes que não foram curados, mas morreram em decorrência da enfermidade. Deus é soberano! Contudo, oramos por todos os enfermos que nos pedem oração por cura, impondo-lhes as mãos, crendo que Deus pode curá-lo. O que não cremos é que Ele tenha a obrigação de curar TODAS as enfermidades sob as ordens dos homens! Ao contrário, cremos que a SOBERANIA dEle está acima de qualquer coisa! Ele é Senhor, e nós, Seus servos, meros cacos de barro!

sexta-feira, 6 de março de 2015

CARIDADE DE SELFIE

Dias após a tragédia de 1º de Maio de 1994, quando morreu no circuito de Ímola (ITA) o grande campeão mundial de Formula 1 Ayrton Senna, descobriu-se algo sobre ele que nem mesmo alguns membros próximos de sua família tinham conhecimento: ele ajudava financeiramente, com altas quantias, várias instituições de caridade. Embora ele fizesse tais doações, ele jamais as divulgou, pois parecia ser conhecedor do princípio bíblico de “quando deres esmola, não saiba a tua mão esquerda o que faz a tua direita, para que a tua esmola seja dada ocultamente: e teu Pai, que vê em segredo, te recompensará publicamente” (Mt 6:3-4). Há quem afirme que o nosso querido Ayrton era evangélico, embora não frequentasse nenhuma igreja de forma assídua e comprometida, talvez por causa das suas atividades e sua popularidade.

É lamentável que diante de tragédias, como as enchentes que no momento estão assolando o Estado do Acre, muitos crentes e muitas igrejas promovam ações sociais, mas estas ações sejam devidamente registradas em filmagens e fotografias e alardeadas aos quatro cantos do país, via redes sociais e páginas oficiais dos "ministérios". Os "crentes" chegam a criar rashtags solidárias, com fotos sorridentes, posando de piedosos! Tais fatos só mostram o quanto o princípio da discreção na caridade foi esquecida pelos cristãos!

Não importa se damos alguns centavos a um mendigo na rua, se sustentamos com boas e constantes ofertas uma obra social, se socorremos de forma emergencial as vítimas de calamidades e tragédias ou se nos desfazemos de nossas riquezas para dá-las aos pobres. O princípio não mudou. O diabo é que inventou e colocou nos corações dos homens a "caridade de selfie", na qual nos escondemos debaixo da capa da falsa piedade para alardear nossas justiças diante dos homens!

Embasados no princípio da graça, de que somos salvos sem as obras, negligenciamos a caridade. Já que não somos salvos por meio delas, desprezemo-nas completamente! Enquanto isso, espíritas e católicos dão aos "evangélicos" uma lição de que a caridade deve ser praticada. Mesmo que o façam esperando salvação por causa de suas obras, deviam nos servir de exemplo! Conheço espíritas ricos e bem posicionados na pirâmide social que pelo menos um dia da semana descem de seus pedestais para ajudar os pobres, cuidar de doentes terminais, fazer o bem. Por que não vemos tais atos partindo dos "crentes"?? Por que não vemos crentes visitando hospitais de câncer (alguns até o faziam, mas de forma tão errada que foram expulsos e proibidos de voltar!), orfanatos, asilos?Se não praticamos caridade para a salvação, deveríamos ao menos fazê-lo porque somos salvos! A Escritura assim prescreve: “somos feitura sua, CRIADOS em Cristo Jesus, PARA AS BOAS OBRAS, as quais Deus preparou PARA QUE ANDÁSSEMOS NELAS” (Ef 2:10).

Devemos praticar a caridade individualmente como crentes ou coletivamente como Igreja, desprezando, entretanto, os dois erros mais comuns: [1] achar que seremos salvos por elas, e [2] aderirmos à caridade de selfie. O bem deve ser praticado pelo crente e pela Igreja de uma forma tão discreta que um dia, na nossa falta por qualquer motivo, as pessoas a nosso redor descubram todo o bem que fizemos enquanto estávamos em seu meio!

A caridade de selfie deve ser evitada a todo custo! Embora pareça piedosa, é carnal e diabólica. Quem a pratica, já recebeu sua recompensa!

Encerro com uma frase do bispo Walter McAlister sobre a geração da selfie: “Para mim, a "selfie" é a expressão-mor de uma geração narcisista e sem auto-estima, que se expõe para buscar afirmação. Triste e neurótico.”. E eu assino embaixo!

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

A FALSA PIEDADE DO "NÃO JULGUEIS"

Eu sempre costumo dizer que Jesus resumiu TODA a Lei em dois princípios: “Amarás, pois, ao Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, e de toda a tua alma, e de todo o teu entendimento, e de todas as tuas forças: este é o primeiro mandamento [Dt 6:5], e o segundo, semelhante a este, é: Amarás o teu próximo como a ti mesmo [Lv 19:18]. Não há outro mandamento maior do que estes” (Mc 12:30-31), mas a nossa geração apóstata ousou resumir a Lei e a Graça de forma diferente: “Não julgueis” (Mt 7:1a) e “Não toqueis em meus ungidos” (Sl 105:15a)”.  

Em alguns momentos, parece que o maior objetivo da pregação do Evangelho pelas igrejas de nossos dias é exatamente este: deixar claro e patente que os "ungidos" são intocáveis, isentos de qualquer correção, são os Papas da nossa fé, embora nem mesmo sejam unânimes entre si em relação à sã doutrina, pois a unção que possuem lhes tornaram absolutamente perfeitos, infalíveis e inerrantes! A salvação, a santificação e outros temas de real relevância à proclamação do Evangelho se tornam secundários diante da necessidade de blindá-los contra qualquer questionamento ou oposição.

A foto que ilustra este artigo está circulando pelas Redes Sociais, e lamentavelmente chegou hoje ao meu Facebook. É a típica imagem sobre a qual podemos dizer: "eu vi; mas e agora, como posso desver? Aonde está o borão 'descurtir' que o Zurkerberg prometeu?"... Foi extraída de uma destas famosas páginas facebookianas que ensinam seus seguidores a digitar "amém, eu creio" e outros placebos go$pel, como se tais palavras digitadas fossem mudar suas histórias e a história da humanidade. Acreditem: tem centenas, senão milhares de curtidas!

É lamentável que pessoas inescrupulosas da fé cristã, figurões da Igreja de Laodicéia brasileira, que se dizem "pastores" e "levitas", usem tal frase e outras similares como escudo para estabelecer-lhes uma imunidade absoluta diante dos erros e deturpações doutrinários que ensinam e espalham pelos quatro cantos. É o equivalente a dizer: "não corrijam nenhuma das mentiras que estamos ensinando, mesmo que elas contrariem frontalmente o que está na Bíblia; afinal nós somos ungidos de Deus!".

Esta frase, que critica os que julgam MAS julga os que criticam (como isso é possível, afirmar que é pecado julgar, julgando??), é contraditória desde o âmago, e é literalmente a expressão mais fina possível da falsa piedade! Como bem disse Paulo a Timóteo, 

nos últimos dias, sobrevirão tempos trabalhosos; Porque haverá homens amantes de si mesmos, ... blasfemos ... Tendo aparência de piedade, mas negando a eficácia dela. Destes afasta-te. Porque deste número são os que se introduzem pelas casas, e levam cativas mulheres néscias, carregadas de pecados, levadas de várias concupiscências; Que aprendem sempre, e nunca podem chegar ao conhecimento da verdade. E, como Janes e Jambres resistiram a Moisés, assim, também, estes resistem à verdade, sendo homens corruptos de entendimento e réprobos quanto à fé. Não irão, porém, avante; porque a todos será manifesto o seu desvario, como, também, o foi o daqueles(2 Tm 3:1-9). 

A falsa piedade por trás desta frase aparentemente inocente, e de outras similares, é patente ao observarmos que por meio delas os "ungidos" tentam usar as Escrituras, obviamente deturpadas, em benefício próprio, e não em benefício da verdade. O que eles pretendem não é estabelecer a Palavra de Deus como a única (ou no mínimo a maior) autoridade sobre o crente e a Igreja, e sim suas interpretações pessoais, por mais absurdas que sejam! 

Outro indício de falsa piedade é exatamente a resistência em reconhecer os erros pessoais, arrepender-se deles e corrigi-los. Isso indica muita coisa, dentre elas a característica de mercenário, e não de pastor. Um verdadeiro pastor se alegra sobremaneira quando é corrigido em algum erro que esteja cometendo, pois ele se preocupa com as suas ovelhas e sabe que um erro que ele lhes ensine pode levá-las à perdição. Declarar-se imune a críticas e correções, recusar-se a reconhecer o erro e negar-se a corriir os falsos ensinos demonstram total falta de compromisso com o rebanho, mas sim com seus próprios interesses!

A conclusão é inevitável: por trás de qualquer frase que defenda o erro e torna a correção um pecado, há sempre a sombra do diabo (o grande interessado que o homem permaneça na mentira, sua filha única [Jo 8:44]) e a penumbra da falsa piedade.

Devemos nos calar diante da mentira, só porque a mentira foi falada por um figurão go$pel, por famoso "pastor", ou "após-Tolo", ou "ungido"? Quem disse que tais pessoas, inclusive eu, são isentas de erros, e imunes a correções? Há, por exemplo, um grande "após-tolo" brasileiro, famoso pelas curas que promove em sua "igreja", que ensina que Jesus foi CRIADO por Deus, ensino herético defendido por Ário já nos primeiros séculos da Igreja Cristã. Pelo fato de ele ser "após-tolo", "ungido" e por promover inúmeras curas, devemos nos calar diante desta mentira? E poderíamos citar mais uma dezena de exemplos de "grandes homens de Deus" que ensinam mentiras, ressuscitam velhas heresias ou criam novas, e que buscam calar os que tentam corrigi-lo... Moisés deu orientação acerca destes que apoiam suas mentiras por trás dos sinais: 


Quando profeta ou sonhador de sonhos se levantar no meio de ti, e te der um sinal ou prodígio, e suceder o tal sinal ou prodígio, de que te houver falado, dizendo: Vamos após outros deuses, que não conheceste, e sirvamo-los; Não ouvirás as palavras daquele profeta ou sonhador de sonhos; porquanto o Senhor, vosso Deus, vos prova, para saber se amais o Senhor, vosso Deus, com todo o vosso coração, e com toda a vossa alma. Após o Senhor, vosso Deus, andareis, e a ele temereis, e os seus mandamentos guardareis, e a sua voz ouvireis, e a ele servireis, e a ele vos achegareis. E aquele profeta ou sonhador de sonhos morrerá, pois falou rebeldia contra o Senhor, vosso Deus, que vos tirou da terra do Egito, e vos resgatou da casa da servidão, para te apartar do caminho que te ordenou o Senhor, teu Deus, para andares nele: assim tirarás o mal do meio de ti(Dt 13:1-5).

O status de uma pessoa não torna legítima a sua pregação e o seu ensino! Não é porque alguém é pastor, bispo, ou detenha qualquer outro título eclesiástico, ou faça grandes milagres, ou arrebanhe para si uma multidão de seguidores, que ele tem seus ensinamentos liberados de verificação escriturística. O Anticristo fará cair fogo do céu (Ap 13:13), e por causa disto enganará a muitos (e é interessante observar que estamos em uma geração que supervaloriza sinais e milagres, ou seja, a geração perfeita para a vinda de um Anticristo que promove tais milagres!); o próprio Jesus afirmou que no Último Dia, pessoas que expulsaram demônios, fizeram sinais e maravilhas e profetizaram ficarão de fora do Reino (Mt 7:21-23). A chancela divina para uma mensagem é, sempre foi e sempre será a fidelidade às Escrituras!

Paulo, apóstolo, nunca arvorou tais frases, buscando qualquer imunidade para si. Em várias das suas argumentações, nas Escrituras, ele mesmo convoca os leitores a julgarem suas palavras entre eles mesmos, para que chegassem per si a uma conclusão lógica, usando suas próprias faculdades mentais e, obviamente, discordando dele caso concluíssem que ele estava errado!


“Falo como a entendidos; julgai vós mesmos o que digo” (1 Co 10:15)
“Julgai entre vós mesmos: é decente que a mulher ore a Deus, descoberta?” (1 Co 11:13)

Ele ainda disse claramente que se ele próprio, Paulo apóstolo, ou um anjo do céu, pregassem um Evangelho diferente, que seja ANÁTEMA (Gl 1:8-9). O que têm os ungidos modernos, que possuem mais autoridade que Paulo, e estão livres de tal anátema mesmo que promovam as piores violações ao Evangelho de Cristo?

Os bereianos, por sua vez, foram chamados na Escritura de "nobres" exatamente porque julgaram, à luz das Escrituras, os ensinos de Paulo e Barnabé (At 17:11). Entretanto, nos dias de hoje as Igrejas buscam exatamente o oposto: impedir que as ovelhas usem o cérebro!

Prossigamos citando Paulo: escrevendo a Tito, ele fala sobre homens inescrupulosos que proliferavam já no primeiro século no meio da Igreja. Sobre tais homens, Paulo fala: 


Porque há muitos desordenados, faladores vãos e enganadores, principalmente os da circuncisão (Tt 1:10). 

E o que Paulo diz em seguida? Que não devemos questioná-los, pois se o fizermos estamos tentando tirar o foco dos nossos próprios erros? Que quem os acusa usa máscaras? Não. Ele prossegue: 


Aos quais CONVÉM TAPAR A BOCA, homens que transtornam casas inteiras, ensinando o que não convém, por torpe ganância ... Portanto, REPREENDE-OS SEVERAMENTE, para que sejam sãos na fé. Não dando ouvidos às fábulas judaicas, nem aos mandamentos de homens que se desviam da verdade ... Confessam que conhecem a Deus, mas negam-no com as obras, sendo abomináveis, e desobedientes, e reprovados para toda a boa obra (Tt 1:11-16 - maiúsculas para melhor compreensão). 

Será que Paulo, apóstolo aos gentios, homem que Deus usou poderosamente na pregação do Evangelho e na formação das Escrituras neotestamentárias, usava máscaras? Será que, ao identificar e apontar o erro e orientar que os homens afastados da verdade deviam ter suas bocas tapadas, tinha pedras nas mãos e apontava tais erros para afastar o foco de seus próprios pecados? É isso mesmo??

Os que buscam a auto-imunidade chegam ao extremo de invocar o AMOR, que falar mal dos irmãos seria falta de amor, que fomos chamados para amar, e não para corriir, e que a correção é forte sinal de falta de amor! Ora, qual seria o conceito de "amor" para estas pessoas? Dar doces a diabéticos, já que em nome do amor devemos dar às pessoas o que eles querem? Eles acham que amor é dar um sorriso omisso diante da mentira, ao invés de combatê-la em nome da verdade? Eles acham mesmo que, ao vermos uma pessoa caminhando para o abismo, guiado por um guia cego, amar é deixá-los ir à ruína? Não é isso que nos ensina, nem as Escrituras e nem o bom senso!!  

É realmente uma pena que a grande maioria das ovelhas de nosso país seguem tais páginas que divulgam estas frases e ensinam o erro doutrinário com uma falsa aparência de piedade, e formam sua "teologia" e "doutrina" a partir de inverdades como estas, e não a partir das Escrituras!

Fica a pergunta: se a quantidade de pedras que os julgadores têm nas mãos é proporcional às máscaras que usam, a quantidade de deturpações das Escrituras e as frases de falsa piedade dos "ungido$" são proporcionais ao quê??

Fiquem a vontade de me julgar. Ou não! Veremos a coerência de vocês, que afirmam, "piedosamente", que ungidos não podem ser julgados... Afinal, será que eu também não sou ungido?

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

"O DEUS ARMINIANO NÃO É O MESMO DEUS CALVINISTA!"

Dizei-me, vós que quereis estar debaixo de Spurgeon, não ouvis vós a Spurgeon?” (Gl 4:21 - paráfrase).

Alguns hiper-ultra-super-mega calvinistas tupiniquins estão lançando um ferrenho ataque contra arminianos, chegando ao extremo de afirmar em suas redes sociais que "o deus dos arminianos não é o mesmo Deus dos calvinistas" e que arminianos estão caminhando, graças a suas falsas e demoníacas doutrinas, a passos largos para o inferno. Citam, para embasar suas assertivas, o sermão AS BÊNÇÃOS DO PACTO, de Charles Spurgeon, e convocam os que pensam diferente a "aprender com Spurgeon que o Calvinismo É o Evangelho", ou que "o Evangelho É o Calvinismo"... 

No sermão supracitado, Spurgeon realmente disse:
Eu absolutamente não sirvo ao deus dos Arminianos! Eu não tenho nada a ver com ele e eu não me curvo diante do Baal que eles criaram! O deus dos Arminianos não é o meu deus, nem jamais o será! Eu não temo e nem tremo diante dele. Um deus mutável pode ser o deus para o Arminiano, mas ele não é o deus para mim. Meu Senhor não muda! (Spurgeon, AS BÊNÇÃOS DO PACTO,  http://zip.net/bjqMPd p. 11)
O que podemos dizer acerca disso?

Primeiro, devo esclarecer que meu objetivo com este artigo não é desmerecer o calvinismo, mas deixar claro aos hiper-calvinistas a sua loucura em invocar Spurgeon ou qualquer outro expoente calvinista para dar aulas de calvinismo COM desmoralização arminiana. Spurgeon foi um dos mais brilhantes calvinistas que já pisou este planeta, defendendo magistralmente sua linha de fé, mas reconhecendo que Deus igualmente elegera os arminianos para a salvação, embora não tenham a mesma visão calvinista. E mesmo que algum calvinista se julgue superior ao arminiano "por Deus ter-lhe dado melhor e maior revelação do Evangelho", é princípio do mesmo Evangelho que os fortes suportem (não no sentido de aturar, aguentar, mas dar suporte, ajudar, amparar) os mais fracos, inclusive em amor e tolerância, e jamais em ridicularização e desprezo. Estas duas últimas, não são absolutamente práticas cristãs, mas tem se tornado práticas de calvinistas e arminianos para com os que creem diferente, demonstrando o quão distantes se encontram do Evangelho!

Atrevo-me a publicar este artigo após testemunhar, em todas as redes sociais, grandes e terríveis ataques de calvinistas contra arminianos (e o inverso também tem ocorrido), com chacotas e ridicularizações, e até vociferações raivosas contra os mesmos. Frequentar páginas calvinistas constitui num grande risco para cardíacos e hipertensos, devido ao desrespeito gritante que presenciamos nestes cyberlocais. Há, evidentemente, honrosas exceções, e nem todo calvinista pode ser enquadrado como hiper-calvinista! Participo de algumas comunidades calvinistas, e nela encontro pessoas esclarecidas e respeitosas. Entretanto, existe um "calvinismo-quase-islâmico" que tem se alastrado no meio cibernético, e contaminado os arminianos. Sempre observei que os arminianos eram mais passivos e pacíficos, mas diante de tantos ataques e achincalhamentos que recebem diuturnamente, estão se tornando igualmente agressivos. Os excessos ocorrem de ambos os lados, e isto deve ser combatido. 

As agressões a que me refiro não partem de calvinistas sérios e equlibrados, mas de moleques que se consideram calvinistas sábios. Nunca leram nem o primeiro volume das Institutas, mas se acham sumidades no debate do tema! Entretanto, da mesma forma que Paulo ensina a "tapar a boca" dos falsos mestres (Tt 1), estes moleques precisam ser esclarecidos e calados. Um antigo patrão meu disse-me certa vez, cobertíssimo de razão, que "todo moleque tem um adulto que responde por ele", que consequentemente o corrige e o ensina a se comportar! Líderes calvinistas sérios, portanto, deveriam ensinar seus pupilos a, no mínimo, terem educação e respeito com ideias divergentes, e também a publicar, refutar, replicar e treplicar com ética, convivendo pacificamente nas questões secundárias

A história nos mostra que pessoas equilibradas sabem respeitar os opositores. John Wesley, arminiano, combateu no campo teológico seu antigo aliado Whitefield (antes arminiano, mas tornou-se calvinista), mas em seu funeral o homenageou como "um grande homem de Deus" (Fonte: http://zip.net/bpqNwM), e o próprio Spurgeon chegou a cogitar que, se fosse possível acrescer mais nomes ao Colegiado Apostólico escolhido pelo Senhor Jesus, Wesley (arminiano) seria um deles. John Wesley e George Whitefield tiveram uma diferença de teologia, com o Whitefield se tornando calvinista e associando-se à igreja Presbiteriana. Porém os dois permaneceram grandes amigos. Sabendo das suas diferenças doutrinárias, alguém certa vez perguntou a Whitefield (calvinista) se ele achava que iria ver o John Wesley (arminiano)  no céu. "Temo que não", ele respondeu, "ele estará tão perto do trono eterno, e nós tão distantes, que quase não veremos ele" (JOHN WESLEY, O VERDADEIRO AVIVAMENTO - http://goo.gl/gRKhWF). É terrível, mas elogios deste naipe, nos dias de hoje, partindo de um calvinista a um arminiano, provocariam uma revolta e protestos, além de chacotas, nos nossos meios hipercalvinistas!

Segundo, compreendamos a diferença entre questões colunares de nossa fé e questões secundárias. Defendamos com unhas e dentes, facas e espadas, as primeiras. Sejamos tolerantes com as segundas. A salvação SOMENTE por Cristo e pela fé nEle e em Sua obra redentora é colunar, mas a salvação por meio fé na eleição ou no livre arbítrio humano parece-nos secundária, pois as Escrituras deixam claro que dependemos absolutamente da primeira fé para sermos salvos, mas não da segunda (veremos adiante que o próprio Spurgeon admite que ambas se complementam). A crença na Pessoa do Espírito Santo é colunar, faz parte da maior parte dos Credos de fé que o Cristianismo possui, se não de todos; a crença na continuidade ou na cessação dos dons do mesmo Espírito é secundária. A crença e obediência ao batismo é colunar; a fórmula batismal, imersionista ou aspersionista, é secundária. Como saber o que é colunar e o que é secundário? Unindo leitura e estudo das Escrituras com MATURIDADE. O próprio Spurgeon afirma que Não existem somente algumas doutrinas pelas quais devemos dirigir nosso barco para norte, sul, leste ou oeste; à medida em que progredimos, começamos a aprender algo sobre o noroeste e o nordeste e tudo o mais que se situa entre os quatro pontos cardeais” (Spurgeon, UMA DEFESA DO CALVINISMO, p. 16).

Entendo que somos chamados à defesa da fé cristã. Entretanto, precisamos concentrar esta defesa de forma mais acirrada e inflexível nos princípios colunares da sã doutrina, deixando as questões secundárias ao crivo da interpretação pessoal de cada crente, obviamente defendendo nossas convicções, mas sem condenar os contrários. Afirmar, por exemplo, que um credobatista é mais cristão que um pedobatista, ou um imersionista é mais cristão que um aspersionista, parece-nos uma luta inglória e desnecessária, tendo em vista que as Escrituras permitem divagações teológicas sobre a fórmula batismal ou sobre a idade apropriada para se submeter a esta Ordenança. Abracemos nossas convicções secundárias e as defendamos, mas tenhamos equilíbrio e respeito com as divergências!

Mesmo como calvinista que sou, entendo que a crença na doutrina da eleição não é fundamental para levar um crente ao céu. O calvinista Augustus Nicodemus Lopes já disse: "Ainda bem que não dependemos da crença na soberania de Deus e na predestinação para sermos salvos!". O arminiano é tão eleito quanto o calvinista, e o calvinista usou seu arbítrio para adentrar em uma Igreja e receber a Cristo assim como o arminiano! Logo, arminianos foram eleitos para a salvação, e calvinistas se achegaram a Deus pelo livre arbítrio que possuem! Xingar um arminiano não desfaz sua filiação, assim como (desculpem o exemplo que vou usar) xingar um árbitro de futebol de "filho da p***" não transforma sua genitora em uma meretriz! Ridicularizar quem pensa diferente em questões secundárias também não vai anular-lhe a filiação divina. 

Sei que pregar o Evangelho sob a óptica das doutrinas da graça é meu dever de cristão reformado, mas eu preciso ter um mínimo de bom senso e "semancol" para compreender que algumas das doutrinas reformadas são secundárias. O crente não vai pro céu ou pro inferno, por exemplo, por ser cessaconista ou continuísta. É questão secundária.

Terceiro, não façamos de homens, por maiores e por mais "homens de Deus" que sejam ou tenham sido, e seus escritos, a nossa vara de medir! Esta "vara", o nosso cânon, são as Escrituras, e somente as Escrituras. Obviamente, alguns se destacam no entendimento e interpretação delas, como Calvino e o próprio Spurgeon, mas querer tratar suas obras e suas conclusões como apêndices escriturísticos em igual valor canônico, atribuindo-lhes inerrância e infalibilidade (como alguns mais radicais pretendem) e elegendo-as como expressões absolutas da verdade teológica não é prática cristã! Acima de tudo, Spurgeon era humano e falho como eu o sou. Seus escritos não são o cânon, não são infalíveis nem inerrantes! Nem os dele, nem os de Calvino, nem os de Armínio, nem os meus! Se Spurgeon citou tal frase em "AS BÊNÇÃOS DO PACTO" parece tê-la corrigido posteriormente em "UMA DEFESA DO CALVINISMO" (o que veremos logo a seguir); enquanto no primeiro ele afirma não servir ao deus dos arminianos, neste último admite que encontrará arminianos no céu. Isto não parece uma contradição? Como um falso deus daria salvação aos que o seguem? Como é possível um Baal conduzir seus seguidores ao céu? Qual dos dois sermões, portanto, está isento de erros? Aliás... eu ouso perguntar àquele que acha Spurgeon inerrante: você já fumou hoje o seu charuto para a glória de Deus? Saiba mais clicando AQUI.

Então, como nos sugeriram, vamos aprender com Spurgeon e seus escritos, e vamos ao apelo: "vós que seguis a Spurgeon, por que não o ouvem?"...

Comparemos o sermão AS BÊNÇÃOS DO PACTO com o sermão UMA DEFESA DO CALVINISMO, do mesmo autor. Vemos neste segundo, após uma defesa calorosa e apaixonada da doutrina calvinista, um reconhecimento respeitoso do seu autor a expoentes arminianos e uma conclusão surpreendente:

Não obstante, longe de mim sequer imaginar que entre os muros de Sião haja somente cristãos calvinistas ou que, aqueles que não compartilham das nossas idéias não serão salvos. As coisas mais terríveis têm sido ditas acerca de João Wesley, o príncipe dos arminianos modernos. Com relação a ele, só posso dizer que, embora eu deteste muitas das doutrinas que ele pregava, no entanto, em relação ao homem em si, eu o reverencio como a nenhum outro wesleyano e que, se tivéssemos que acrescentar dois apóstolos aos doze, creio que não existiriam dois homens mais capazes do que George Whitefield e João Wesley. O caráter de João Wesley permanece acima de qualquer suspeita em relação ao seu zelo, santidade, auto-sacrifício e comunhão com Deus; ele viveu muito acima do nível de vida dos cristãos comuns e foi um “dos quais o mundo não era digno”. Eu acredito que existem milhares de homens que não conseguem ver essas doutrinas ou que, pelo menos, não da forma como as coloquei, os quais, contudo, receberam a Cristo como seu Salvador e são tão queridos para o coração do Deus da graça, quanto os calvinistas mais ortodoxos, quer estejam dentro ou fora do céu... (Spurgeon, UMA DEFESA DO CALVINISMO, texto completo em http://migre.me/ozytt, p. 16 - É interessante notar que as notas de rodapé do editor calvinista afirmam que Spurgeon estava errado neste ponto.)

Neste parágrafo lemos Spurgeon admitir que Wesley, arminiano, era homem de Deus, chegando-o a colocá-lo na Galeria da Fé de Hb 11 ao afirmar que ele era um dos homens "dos quais o mundo não era digno". Embora um dia ele tenha afirmado que arminianos serviam a um deus diferente do dele, agora afirma que quem serve a este "deus" diferente do Deus calvinista também pode ser um homem de Deus e tem igual acesso à salvação! Isto soa como uma mea culpa, contrariando o que fora dito no sermão AS BÊNÇÃOS DO PACTO. Ou pensam os calvinistas ultrarradicais que em um sermão ele, Spurgeon, estava sendo divinamente inspirado, e no outro estava sendo espúrio?

Os verdadeiros calvinistas sabem, inclusive o bom Spurgeon, que os homens não dependem da crença na doutrina da eleição para adentrarem nas portas de Sião. São eleitos, mesmo sem o saber ou o admitir com as mesmas palavras calvinistas. Só os moleques, quer homens ou quer mulheres que se autodenominem sábios(as), desprezam os que foram comprados pelo sangue de Cristo, embora pensem diferente nas questões secundárias!

Mas prossigamos... Vejamos o que Spurgeon, no mesmo texto, diz em seguida sobre o antagonismo existente entre a predestinação e o livre arbítrio... Ele prossegue afirmando:

Não creio que haja diferenças entre o que creio e o que crêem os meus irmãos hiper-calvinistas. Difiro deles no que eles não crêem. Eu não acredito em menos coisas do que eles, e sim num pouco mais do que eles e, acredito que seja um pouco mais da verdade revelada nas Escrituras. Não existem somente algumas doutrinas pelas quais devemos dirigir nosso barco para norte, sul, leste ou oeste; à medida em que progredimos, começamos a aprender algo sobre o noroeste e o nordeste e tudo o mais que se situa entre os quatro pontos cardeais. O sistema de verdades revelado nas Escrituras não se constitui somente de uma linha reta, porém de duas; e nenhum homem poderá obter uma visão correta do evangelho até que ele saiba como olhar para as duas linhas simultaneamente. Por exemplo, eu leio num dos livros da Bíblia: “O Espírito e a noiva dizem: vem. E aquele que ouve diga: vem. Aquele que tem sede, venha, e quem quiser receba de graça a água da vida”. No entanto, sou ensinado em outra parte da mesma Palavra inspirada que “não é daquele que deseja, nem daquele que corre, mas de Deus que mostra misericórdia”. Eu vejo, por um lado, Deus presidindo em sua providência sobre todas as coisas e, no entanto, não posso deixar de ver também que o homem age como ele bem entende e que Deus tem permitido, em grande medida, que suas ações sejam governadas por seu livre-arbítrio. Entretanto, se eu declarasse que o homem tem liberdade suficiente para que pudesse agir sem o controle de Deus sobre suas atitudes, eu estaria muito próximo do ateísmo. Se, por outro lado, eu declarasse que Deus controla tudo de tal maneira que o homem deixa de ser livre o suficiente para ser responsável, eu estaria muito próximo do antinomianismo ou do fatalismo. Que Deus predestina e que o homem é responsável, são dois fatos que poucos podem ver claramente. Acredita-se que eles sejam incoerentes e contraditórios, mas não são. A falha está na nossa fraca avaliação. Duas verdades não podem ser contrárias uma a outra. Se, por um lado, eu sou ensinado em parte da Bíblia que todas as coisas foram predeterminadas, isso é verdade; se, por outro lado, eu encontro em outra parte da Bíblia, que o homem é responsável por seus atos, isso também é verdade. É somente a minha insensatez que me leva a imaginar que essas duas verdades poderiam ser contraditórias. Eu não creio que elas possam jamais ser caldeadas em nenhuma bigorna aqui na terra, mas certamente serão unidas na eternidade. Elas representam duas linhas quase paralelas, tão próximas, que, quando a mente humana tenta segui-las por uma grande distância, jamais descobrirá que elas são convergentes, porém na verdade elas são e elas se encontrarão em algum lugar na eternidade, num local próximo ao trono de Deus, do qual toda verdade procede. (Spurgeon, UMA DEFESA DO CALVINISMO, pp. 16-17).

Aprendi esta grande verdade quando estudei Teologia no Instituto Bíblico Betel Brasileiro, no fim da década de 1980, com a Missionária Lídia Almeida de Menezes (in memoriam), que gastou sua vida na formação de homens e mulheres para a obra missionária e pastoral. Ela sempre nos ensinava a não desprezarmos a realidade da soberania de Deus e da responsabilidade humana, por mais que nossa mente humana não compreendesse a aparente contradição entre ambas. Ela chegou a nos dizer certo dia algo mais ou menos como o que segue: "assim como vocês não compreendem a Trindade, pela limitação da mente humana para compreender o Deus Infinito, também não compreenderão estas duas verdades aparentemente contraditórias". Anos depois, o rev. Augustus Nicodemos Lopes, expoente do calvinismo brasileiro da atualidade, repete praticamente estas mesmas palavras em um vídeo bastante popular no Youtube, aonde trata do tema "Predestinação x Livre Arbítrio", que por sinal alguns hiper-ultra-super-mega calvinistas já tentaram me convencer que no vídeo ele estava apenas sendo irônico, quando na verdade ele trata o tema com bastante seriedade (embora use uma pitada de bom humor), discorrendo e reconhecendo o mesmo entendimento de Spurgeon do texto acima citado... É neste vídeo que ele admite que não seremos salvos por crermos na doutrina da eleição! Assistam, por favor...



O próprio texto de Spurgeon (que defende o calvinismo, e que é tantas vezes invocado para tentar afirmar o erro doutrinário dos arminianos) e os próprios expoentes calvinistas sérios e equilibrados reconhecem que arminianos entrarão na Cidade Santa pelas portas, e que a suposta contradição entre a soberania divina e a responsabilidade humana não é contradição nem heresia, mas antinômio! Logo, hastear no mais alto mastro das doutrinas cristãs a frase infeliz de Spurgeon que afirma que "o deus arminiano não é o Deus calvinista", e fazer disso um dos pilares da fé salvífica, e insistir que os arminianos estão perdidos por causa de suas convicções doutrinárias, e/ou outras acusações de mesmo naipe, nem é bíblico, nem spurgeônico, e muito menos calvinista! Se Spurgeon um dia o citou, em outro dia o desmentiu magistralmente!

Tratando sobre o tema, o bispo Walter McAlister, Pentecostal Reformado de linha teológica calvinista, demonstra a ação da soberania divina e do arbítrio humano:
Até Judas fez o que fez seguindo um propósito eterno de Deus. Jesus disse isso em João 17.12, na oração sacerdotal: “Enquanto estava com eles, eu os protegi e os guardei no nome que me deste. Nenhum deles se perdeu, a não ser aquele que estava destinado à perdição, para que se cumprisse a Escritura.” De fato em João 13.2 vemos que Judas agiu por sua própria vontade. E a sua vontade foi resultado da vontade de Satanás que o induziu a trair Jesus. No caso de Judas, os propósitos de Deus requeriam um traidor. Deus determinou. As Escrituras (inspiradas por Deus) previram a vinda desse “filho da perdição”. Mas, na hora “H”, Judas também quis trair, sendo que a vontade de Satanás o induziu a tanto. Literalmente a volição dos três personagens fluiu como um rio só. Essa volição confluente não anulou Judas nem tampouco Satanás. Mas a vontade de Deus foi a mais perfeita. Os dois agiram com um propósito momentâneo. Mas realizaram a vontade eterna de Deus. Foi por meio da ação, nascida da vontade de Satanás e Judas, que os Seus propósitos eternos foram cumpridos. Como dois rios pequenos que se juntaram a um rio grande e forte, confluíram na mesma direção. Há outro exemplo em José, achado em Gênesis 45. Quando José finalmente se revelou a seus irmãos, disse: “Eu sou José, seu irmão, aquele que vocês venderam ao Egito! Agora não se aflijam nem se recriminem por terem me vendido para cá, pois foi para salvar vidas que Deus me enviou adiante de vocês (…) Assim, não foram vocês que me mandaram para cá, mas sim o próprio Deus” (Gn 45.4b-5, 8a). Mas os irmãos de José agiram com “livre-arbítrio” ou não? Claro que sim. Mas o seu “livre-arbítrio” confluiu com a vontade de Deus, que não pode ser resistida❞ (Walter McAlister, PREDESTINAÇÃO OU LIVRE ARBÍTRIO? http://zip.net/byqNwm). 

Isto posto, concluímos: parece que teólogos sérios, calvinistas ou arminianos (embora eu tenha citado apenas os calvinistas, por razões óbvias), não se atrevem a negar a predestinação ou o arbítrio humano, desmoralizando um em detrimento de outro. Pelo contrário, eles afirmam a ambos, embora isto não possa ser cabalmente explicado e compreendido, pois são verdades absolutas, inegáveis, não porque calvinistas ou arminianos queiram assim, mas porque as Escrituras afirmam assim!

Ainda depõe contra os calvinistas ultrarradicais a questão da desonestidade intelectual, a citação de textos que apenas corroboram com as suas convicções. A boa honestidade intelectual ensina que devemos ler o texto todo e buscar transmitir-lhe a ideia central, e jamais pinçar partes que nos sejam convenientes. Quem ler de forma isenta o sermão AS BÊNÇÃOS DO PACTO e o comparar com UMA DEFESA DO CALVINISMO compreenderá o sentido da expressão usada por Spurgeon "o deus arminiano não é o meu Deus". Creio que é aí que estes hiper-ultra-super-mega calvinistas revelam sua desonestidade: assim como neopentecostais (que eles tanto combatem), eles também pinçam textos convenientes na Bíblia e fazem o mesmo com escritos de seus reformados favoritos, omitindo-lhes estrateicamente o contexto. Nada de novo debaixo do sol, caro Salomão!

Parece-me que outro dos erros comuns ao calvinismo e ao arminianismo é tentar dar status de infalíveis e inerrantes aos seus ídolos, seus escritos e suas falas! Entretanto, eles próprios se contradizem, como Spurgeon nos textos citados de seus dois sermões. Encontramos contradições em Calvino e Armínio, assim como nos seus discípulos. São todos, de ambos os lados, humanos e falhos! Por isso, o crivo sempre será a Escritura! “Seja sempre Deus verdadeiro, e todo homem mentiroso” (Rm 3:4).

E o que dizer, senhores hiper-calvinistas, sobre esta outra fala de Spurgeon, completamente antagônica aos princípios calvinistas, comentando 1 Tm 2:3-4? Por que não é usada, mas é completamente descartada? Por que, em páginas calvinistas das Redes Sociais, quando alguém a cita é rapidamente excluído e bloqueado, e a citação deletada? Desconhecem que o mesmo Spurgeon, calvinista que defendia o calvinismo com unhas e dentes, tinha esta visão?

Vocês, muitos de vocês, conhecem bem o método geral pelo qual os nossos velhos amigos calvinistas tratam este texto. 'Todos os homens', dizem eles - 'isto é, alguns homens', se quisesse dizer alguns homens. 'Todos os homens", dizem eles; 'isto é, alguns de todos os tipos de homens', se Ele quisesse dizer isso. O Espírito Santo, por meio do apóstolo, escreveu 'todos os homens' e, inquestionavelmente, Ele quer dizer todos os homens. Sei como descartar a força do termo 'todos', segundo aquele método crítico que há algum tempo era muito corrente, mas não vejo como se pode aplicar isso aqui mantendo a devida consideração pela verdade. Há pouco estive lendo a exposição de um habilidoso doutor que explica o texto acabando com ele; ele aplica pólvora gramatical ao texto, e o faz explodir a título de explicá-lo. Quando li a sua exposição, pensei que teria sido um comentário de capital importância se o texto dissesse: 'Que não quer que todos os homens se salvem, nem que cheguem ao conhecimento da verdade'. Se essa fosse a linguagem inspirada, todas as observações feitas pelo ilustre doutor ser-lhe-iam exatamente fieis, mas como acontece que ela diz, 'Que deseja que todos os homens sejam salvos', as suas observações estão mais de que um pouco fora de lugar. Meu amor pela coerência com meus conceitos doutrinários não é suficientemente grande para me permitir alterar conscientemente um único texto das Escrituras. Tenho grande respeito pela ‘ortodoxia’, porém a minha reverência pela inspiração é muito maior. Prefiro cem vezes ou mais parecer incoerente comigo mesmo a ser incoerente com a Palavra de Deus... - Iain Murray, SPURGEON VERSUS HIPERCALVINISMO. PES. 2006. p. 171-172, coletado AQUI
(Permitam-me um parêntese: o título da obra citada é pertinente, pois já na época de Spurgeon havia hiper-ultra-super-mega calvinistas, e ele os combatia! Sem dúvida, era homem de Deus! E acreditem: na pesquisa para este artigo, encontrei textos hiper-calvinistas desmoralizando o autor Iain Murray, do livro e da citação acima, em uma argumentação ad hominen que dá dó...)

Portanto, seria importante que, antes de convocar Spurgeon, ou qualquer outro escritor reformado, para as falanges dos hipercalvinistas condenadores dos que pensam diferente, que os tais observassem se os mesmos realmente defendem o tempo todo as suas causas! Em outras palavras: sabem aquela famosa frase hipercalvinista que diz "Quem afirma que é calvinista, mas afirma igualmente respeitar arminianos ou defende alguma de suas doutrinas, não é calvinista, e sim arminiano!"? Spurgeon, portanto, era arminiano, uma vez que defendeu o arbítrio humano e a expiação ilimitada!

Por isso amo Spurgeon, e os demais reformados coerentes e cristãos, do passado e do presente: são humanos e, consequentemente, contraditórios e falhos; defendem suas posturas teológicas com paixão e fervor, mas respeitam opiniões contrárias!

Encerrando: nas questões colunares de nossa fé, prossigamos inflexíveis! Nas secundárias, sejamos tolerantes. E chego pelo menos a uma conclusão: os hiper-calvinistas a quem me refiro, que mandaram aprender com Spurgeon, estavam certos que Spurgeon tem muito a nos ensinar. Inclusive, e principalmente, aos hiper-calvinistas!