terça-feira, 19 de novembro de 2013

GAIOLAS NECESSÁRIAS


Numa tarde de domingo, 14/10/2012, eu assistia tevê na sala quando percebi minha esposa na cozinha, encantada com algo que estava na área de serviço! Em meio a frases do tipo “Ai, que coisa linda, meu Deus!”, ela me chamou para compartilhar a visita inesperada que recebemos.

Na grade da área de serviço, que dá para o quintal, lá estava empoleirado um periquito azul, e minha esposa encantada como uma criança dizendo que queria ficar com ele... Aproximei-me aos poucos do pássaro. Quando cheguei a uns trinta centímetros de distância ele alçou voo. Um voo tímido e curto que me fez perceber que se tratava de alguma ave nascida em gaiola, ou desde cedo confinada a uma, o que o fez desaprender a arte do voo, ou nunca ter aprendido mesmo. Percebi ali a possibilidade da captura. Não foi muito difícil chegar perto dele, pousado no chão do quintal, e pegá-lo a mão!

Sempre fui avesso à criação de pássaros, ao contrário de meu irmão Joel, que cria vários e é apaixonado por sabiás. Eu não. Para mim, os pássaros foram criados para serem livres. Sempre procuro me colocar no lugar das aves engaioladas, e sinceramente não gostaria de ter uma vida destas! Alguns passarinheiros argumentam que uma ave presa à gaiola vive entre duas e três vezes mais que uma ave solta. Posso até concordar com o dado estatístico, sei que é verdadeiro, mas sugiro aos passarinheiros que vivam 150 anos presos em uma cadeia, e concluam se tal longevidade sem liberdade pode realmente ser considerada vida... Neste aspecto, sou forçado a concordar com a frase do Cazuza: “É melhor viver dez anos a cem por hora do que cem anos a dez!”.

Mas o fato é que o periquito está aqui em casa desde a tarde de domingo. Demos-lhe o sugestivo nome (meu Deus, que falta de inspiração!) de PIU-PIU. Minha esposa esvaziou o armário da cozinha — a parte superior, que tem portas de vidro e algumas brechas laterais para entrada de ar — para que ele pudesse ser alojado temporariamente, e até o fim da semana vou comprar uma gaiola para acomodá-lo de forma mais adequada. Fazer o que? Julgo que seja o melhor a fazer, pois se ele não resistiu a uma captura manual de menos de 5 minutos, não escapará do primeiro predador que o encontrar. Não há outra saída neste caso, senão reconduzi-lo à gaiola. Questão de vida ou morte.

Não tinha como não associar o ocorrido com a nossa vida cristã.

Assim como os passarinhos, criados pelo Senhor para serem livres e voarem com agilidade suficiente para escaparem dos predadores, nós, cristãos, também fomos chamados à liberdade com Cristo. Nascemos como os pássaros. Ao nascermos, nós e eles, não sabemos voar. Aprendemos com os nossos pais. É conhecida a prática de algumas aves de empurrar seus filhotes do ninho para que aprendam a voar à força. Quando aprendem, ainda permanecem algum tempo no ninho para desenvolverem melhor esta habilidade, e só assim as zelosas mamães os soltam no mundo, pois já se encontram aptos para enfrenta-lo, em busca da sobrevivência diária.

O mesmo precisaria acontecer conosco, em nossa vida cristã. Precisamos aprender a voar com nossas próprias asas, mas dificilmente alcançamos esta habilidade, porque não temos mães e pais que nos ensine isso, na vida cristã. Pelo contrário, muitos de nós têm “pastores” e “líderes” inescrupulosos, líderes de célula comprometidos com o sistema, e não com o Reino, e somos rapidamente encerrados em gaiolas necessárias e desestimulados a voar. Provavelmente, foi isso que aconteceu com o Piu-Piu... E com você também!

Sejam bem vindos à Igreja, lugar aonde deveria, sempre e amiúde, nos ser ensinada a arte do voo, a alçar voos cada vez mais altos e com maior autonomia. Lugar aonde a liberdade em Cristo deveria ser ensinada, fomentada, estimulada e vivida em sua plenitude. Mas não acontece assim. Pelo contrário, de Norte a Sul, de Dã até Berseba, do Oiapoque ao Chuí, aprendemos na Igreja a não voarmos, a não nos rebelarmos contra os passarinheiros, a sermos mansos o suficiente para nos deixamos capturar e manipular. E absorvemos isto muito rapidamente! O Piu-Piu ainda tentou escapar de mim, pois faz parte de seu instinto animal de sobrevivência a fuga dos humanos e dos predadores. Mas nós, não. Não tentamos escapar. Confiamos por demais nos nossos passarinheiros; afinal, são nossos “pastores” e só querem o nosso bem! Somos capturados com muita facilidade, pois desde cedo somos treinados a não resistir. Como diria o filósofo Falcão em sua música ORAI E VIGIAI (que eu não recomendo ninguém a ouvir!!): “seja manso, bom e fraternal...”. Este é o ensino.

E quando, porventura, se tem a sorte grande de achegar-se a alguma Igreja que não aprisione, ou que dê relativa liberdade, as ovelhas não estão prontas para isto. Muitas não se acostumam absolutamente à liberdade. Precisam de regras, de dogmas, de leis, de “podes-e-não-podes” que os dirijam. Submissa e mansamente, abaixam a cabeça para que o jugo seja colocado à cerviz. Racionais que são, até criam argumentos que justificam sua prisão a estes jugos. Usam o cérebro não para pensar, para se libertar, mas para concordar com as gaiolas. Esta semana mesmo presenciei uma conversa sobre bebidas alcoólicas, e os interlocutores concluíram que o cristão não pode beber porque as bebidas são usadas em despachos de feitiçarias. Tiveram a sabedoria de justificar a gaiola, mas não conseguiram concluir que, segundo o seu raciocínio-gaiola, deveriam condenar também o comer frango, farofa e pipoca, que também são usados, junto com a bebida, nos despachos! Eles não conseguem entender que são LIVRES para beber e para optar por não beber... Não enxergam a liberdade. Só enxergam a gaiola, e lutam para mantê-la.

Tudo isso me chama a atenção para o fato de que eu sou GRANDEMENTE RESPONSÁVEL pelas vidas que cruzam meu caminho, enquanto formador de discípulos e de opiniões. Não posso agir como um passarinheiro. Não posso aprisionar, mas por em liberdade. Esta foi uma das múltiplas facetas do ministério do Senhor Jesus aqui na terra: “E, chegando a Nazaré [... Jesus] entrou [...] na sinagoga, e levantou-se para ler. E foi-lhe dado o livro do profeta Isaías; e, quando abriu o livro, achou o lugar em que estava escrito: O Espírito do Senhor é sobre mim, pois que me ungiu para evangelizar os pobres, enviou-me a curar os quebrantados do coração, A APREGOAR LIBERDADE AOS CATIVOS, e dar vista aos cegos; a pôr em liberdade os oprimidos; a anunciar o ano aceitável do Senhor [...] Então começou a dizer-lhes: Hoje se cumpriu esta Escritura em vossos ouvidos.” (Lc 4:16-21). Este também deve ser o meu ministério: abrir as gaiolas dos cativos, não antes de dar-lhes condições de voarem e sobreviverem.

Assim como me será necessário comprar uma gaiola para o Piu-Piu, as gaiolas são necessárias dentro do sistema religioso, uma vez que a maioria das ovelhas-pássaros nunca aprendeu a voar. Os que tentarem fazê-lo por conta própria cairão inexoravelmente na boca dos predadores. Os líderes desestimulam freneticamente o aprendizado do voo, pois só garantem sua própria sobrevivência perpetuando o engaiolamento das ovelhas. Ovelha engaiolada não pensa, não questiona, não “toca em ungido”, não questiona a autoridade apostólica, episcopal, pastoral ou até mesmo do líder de sua célula. Apenas obedece!

Somos engaiolados quando nos afastam da Bíblia. Sei que todos nós temos uma Bíblia, alguns duas ou mais, mas não nos permitem lê-la, senão de acordo com a óptica religiosa deles. A “Visão do Ministério” é maior e mais importante que a visão de Deus! Aos poucos, aprendemos e absorvemos as táticas de manipulação das Testemunhas de Jeová, e blindamos as ovelhas contra qualquer possibilidade de analisar a Escritura, de comparar o ensino com a unidade da Bíblia, de permitir qualquer questionamento doutrinário. “Cuidado com as ovelhas negras!”, advertem aos novos convertidos. “Não dêem ouvidos aos que não obedecem à liderança, aos que se rebelam contra a visão!”, vociferam a todos.

Somos engaiolados quando nos proíbem de pensar, de analisar as coisas de acordo com as Escrituras. Os crentes de Beréia são persona non grata no meio desta liderança passarinheira. Os líderes, ao invés de criar uma geração independente, que sabe pensar, concluiu que isso na verdade é um tiro no pé. Na verdade não é. Criar uma geração pensante é investir na formação de um rebanho adulto, maduro! Um rebanho destes, bem alimentado, bem doutrinado na sã doutrina, é LUXO, não troca seus pastores por mercenários aventureiros. Não cai no laço do passarinheiro! A formação de um rebanho nestas condições não interessa à maioria dos “pastores” de hoje, que não querem investir a longo prazo, e muito menos têm interesse em investir em almas!

Somos engaiolados quando nos enganam, dizendo que a visão deles é a melhor, a mais correta, a que foi dada diretamente por Deus, por revelação! Sim, Deus se enganou, deixou de trazer esta revelação plena através de Seu Filho, e os apóstolos que O acompanharam por três anos ininterruptos se equivocaram, e transmitiram o Evangelho de forma errada. 

Somos engaiolados quando transformam a igreja em um grande circo, uma central de entretenimento, e nos encaixam estrategicamente no sistema, de forma que nos sentimos úteis, e nos damos por felizes com isso! Se você é músico, pode ser engaiolado na gaiola dos levitas. Se você gosta de dançar, está pré-selecionado para os “ministérios de danças e coreografias” e de “street dance” (embora nada disto exista nas Escrituras ou tenha nelas qualquer respaldo). Se você é engolidor de fogo, que tal o “ministério de pirofagia”? Para controlar o rebanho existe “n” tipos de gaiolas-ministérios para lhe entreter, desde os grupos etários até os “ministérios” questionáveis. E que tal um cargo entre os Oficiais da Igreja? Por que não colocar o(a) irmão(ã) Fulano(a) à frente do Círculo de Oração? Quem sabe, àqueles que aparentemente não sabem fazer nada, pode ser elevado à categoria e status de "Porteiro"? O importante é deixar cada macaco no seu galho, ou melhor, cada pássaro na sua gaiola.

Pois é... Dentro da gaiola, você só come o que lhe dão!

Às vezes tentamos quebrar as gaiolas dos pássaros que cruzam o nosso caminho, libertando-os. Na grande maioria das vezes nossa ajuda é rejeitada. Eles preferem a gaiola ao invés da liberdade em Cristo. E precisamos compreender que esta gaiola é necessária. Eles foram criados desde cedo sem o direito de voar. Colocá-los subitamente em liberdade é perigoso. Esta liberdade tem que ser um processo lento. Graças a Deus, passei por este processo e hoje alço voos de águia. Mas sei o quanto isto me custou, e ainda me custa!

Pobre Piu-Piu... Deus sabe a vontade que eu sinto de abrir agora as portas do armário da cozinha e te dar a liberdade que mereces. Mas Ele sabe também que se eu fizesse isso estaria sendo cruel e desumano com você, jogando-o indefeso aos gatos da vizinhança... Você não está pronto para a liberdade. Os homens te condenaram a prisão perpétua quando, desde teu nascimento, te prenderam em uma gaiola. Por amor eu te manterei na gaiola. Vou usufruir dos dízimos de teu canto, das ofertas da tua bela plumagem, e em troca te darei diariamente uma cuia de água e um punhado de alpiste e milho, muito pouco diante da alegria que você proporcionará ao ambiente do meu lar.

Engraçado... Estou dando conta de que conheço muitos Piu-Pius...

Em tempo: Já comprei a gaiola... E descobri que o Piu-Piu é fêmea! Agora, não sei se mantenho o nome, ou se abro uma enquete  para vocês me ajudarem a escolher um novo nome para ela...  Quem sabe até adquiro um macho, para formar um casal!
Em tempo 2  Hoje, 09/08/2013, comunico-vos que o casal já é pai de três periquitinhos... Assim que aprenderem a voar, vou soltar os três!

Em tempo 3: Hoje, 12/11, tentei soltá-los... Mas eles preferem a gaiola!!

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