segunda-feira, 4 de março de 2013

ESCRITURAS X CORBÃ


Então chegaram ao pé de Jesus uns escribas e fariseus de Jerusalém, dizendo: por que transgridem os teus discípulos a tradição dos anciãos? Pois não lavam as mãos, quando comem pão. Ele, porém, respondendo, disse-lhes: Por que transgredis vós, também, o mandamento de Deus, pela vossa tradição? Porque Deus ordenou, dizendo: Honra a teu pai e a tua mãe; e: Quem maldisser ao pai ou à mãe, morra de morte. Mas vós dizeis: Qualquer que disser ao pai ou à mãe: É oferta ao Senhor o que poderias aproveitar de mim, esse não precisa honrar nem a seu pai nem a sua mãe, e assim invalidastes, pela vossa tradição, o mandamento de Deus. Hipócritas, bem profetizou Isaías a vosso respeito, dizendo: este povo honra-me com os lábios, mas o seu coração está longe de mim” (Mt 15:1-9).

Há momentos em que as doutrinas de homens traspassam a Palavra de Deus. Este caso da lei do Corbã é um deles, o mais clássico. Embora as Escrituras deixem muito claro que os filhos têm a obrigação de honrar pai e mãe, os religiosos da época deram um jeitinho nas coisas. A questão tratada na lei não era a mera honra, respeito etc, mas a garantia do sustento dos mais velhos, que por não poderem mais se sustentar pelo seu próprio trabalho deveriam ser sustentados pelos filhos, ou seja, honrados. Mas como um bom advogado tributarista que encontra brechas na lei tributária e faz com que seus clientes deixem de pagar determinados impostos, o líder religioso também buscava as mesmas brechas na lei divina. Assim nasceu a lei do Corbã.

Para se livrar da obrigação de sustentar seus pais na velhice, um religioso podia fazer um voto a Deus e consagrar-lhe tudo que gastaria no sustento dos velhos pais. Assim, jogava seus genitores no abandono e doava ao Templo o valor correspondente aos gastos. Para o sacerdote, era uma mão na roda, pois garantia uma gorda oferta para os cofres do Templo. Para o filho ingrato, era uma economia certa, pois não precisaria dar-lhes de comer, cuidar de sua saúde, higiene, vestuário... Evitava-se assim o transtorno de ter dois velhos debaixo do seu teto e debaixo dos seus cuidados. Mesmo que os pais exigissem a honra devida pelo filho, ele poderia lhes dizer: aquilo que eu podia fazer por vocês, fiz voto ao Senhor e vou dá-lo no Templo!

Esta é apenas uma das facetas do desrespeito às Escrituras, que ocorriam nos tempos de Jesus. A tradição se torna superior ao que está escrito, e o que está escrito se torna descartável diante da experiência humana. Na a igreja atual, a coisa não mudou, ou se mudou foi para pior! Hoje, entre optar pelo que está escrito e pelo que a nossa experiência diz ser a verdade, a Bíblia é imediatamente descartada, pois a cada dia se torna um livro obsoleto, que inibe a liberdade do Espírito Santo em nosso meio, atrapalha o crescimento da Igreja e limita os pastores a seguir o que lá está escrito. Faz-se necessário ou abandonar este livro, ou criar doutrinas que o complementem e o tornem mais “moderno”, mais fácil de ser observado.

Em um recente debate sobre o mau uso dos dons espirituais na Igreja, comparando o que acontece nos cultos neopentecostais de nossos dias e o que está escrito nos capítulos doze e quatorze da primeira carta aos Coríntios, um defensor da desordem e da indecência no culto citou o seguinte, precedido por um sonoro “kkkkkkk”, risada característica das redes sociais, acerca do suposto “mover do Espírito Santo” nas reuniões de “fogo e poder”: “Você pode não gostar, irmão fulano, mas tem gente que gosta!”.

Esquece-se este incauto irmão que a questão não é gostar ou deixar de gostar de alguma coisa, prática ou doutrina da Igreja. A questão é a obediência às Escrituras. Ou o irmão acha que os católicos prostram-se diante dos ídolos porque são obrigados a fazê-lo, ou fazem isso porque gostam? Sempre combatemos a doutrina católica da veneração de santos, relíquias e imagens, pois a mesma é severamente condenada na Bíblia. Entretanto, outras práticas igualmente condenadas são abraçadas pela Igreja, de forma incoerente e acintosa contra a Palavra. Enquanto católicos se prostram diante de um ídolo porque gostam de fazer isto, nós crentes temos o mesmo costume de abraçar as coisas que nos são agradáveis, embora as Escrituras não concordem com elas e até mesmo as condenam.

Que este irmãozinho abençoado me perdoe, mas as Escrituras não deixam margem para segundas interpretações, nem mesmo para novas edições da lei do Corbã. Os textos aonde O PRÓPRIO DEUS inspira o apóstolo Paulo acerca de Sua vontade em relação ao uso dos dons espirituais na Igreja são claros:

Que fareis, pois, irmãos? Quando vos ajuntais, cada um de vós tem salmo, tem doutrina, tem revelação, tem língua, tem interpretação. Faça-se tudo para edificação. E, se alguém falar língua estranha, faça-se isso por dois, ou, quando muito, três, e por sua vez, e haja intérprete. Mas, se não houver intérprete, esteja calado na igreja, e fale consigo mesmo e com Deus. E falem dois ou três profetas, e os outros julguem. Mas, se a outro, que estiver assentado, for revelada alguma coisa, cale-se o primeiro. Porque todos podereis profetizar, uns depois dos outros; para que todos aprendam e todos sejam consolados. E os espíritos dos profetas estão sujeitos aos profetas. Porque Deus não é Deus de confusão, senão de paz, como em todas as igrejas dos santos [...] Porventura saiu de entre vós a palavra de Deus? Ou veio ela somente para vós? Se alguém cuida ser profeta, ou espiritual, reconheça que as coisas que vos escrevo são mandamentos do Senhor. Mas, se alguém ignora isto, que seja também ignorado. Portanto, irmãos, procurai, com zelo, profetizar, e não proibais falar línguas. Mas, faça-se tudo decentemente e com ordem” (1 Co 14:26-40).

Portanto, antes de criticar os católicos que se prostram diante dos ídolos porque gostam disto e se recusam a observar o que está escrito, lembra-te que tu também fazes igual a ele, quando promoves exatamente o oposto daquilo que Deus prescreveu para a ação do Espírito Santo na Igreja, a ordem e a decência, somente porque gostas daquilo que chamas de “mover do Espírito” mesmo quando a Bíblia não o menciona nem o aceita. Mas, para que se preocupar com isso? A Bíblia e suas prescrições são meros detalhes, e assim como os escribas do tempo de Jesus que criaram a lei do Corbã você também pode encontrar as brechas que bem quiser no texto sagrado, a fim de adequá-lo ao que você gosta. Se isto vai colar no Último Dia, não sei. Creio que não! Ou você nunca leu as palavras do Mestre, que disse “Nem todo o que me diz: Senhor, Senhor! entrará no reino dos céus, mas aquele que faz a vontade do meu Pai que está nos céus. Muitos me dirão naquele dia: Senhor, Senhor, não profetizamos nós em teu nome? e em teu nome não expulsamos demônios? e em teu nome não fizemos muitas maravilhas? E então lhes direi, abertamente: Nunca vos conheci; apartai-vos de mim, vós que praticais a iniqüidade” (Mt 7:21-23). Ou tem brecha para isto também?

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